Baixa representação política deixa mulheres fora do poder

O Brasil ocupa a 145º posição em um ranking de 187 países no que tange à representação feminina na política. O levantamento leva em consideração a eleição de mulheres para a Câmara dos Deputados e foi citada por Débora Thomé, cientista política e pesquisadora do Instituto Up Date, em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Durante a reunião, realizada nesta quarta-feira (16/3/22), a convidada apontou que o Brasil está defasado inclusive frente aos países vizinhos: entre as 20 primeiras nações do ranking, seis são da América Latina. No encontro, que teve o objetivo de discutir a representatividade das mulheres na política no mês em que o voto feminino no Brasil completa 90 anos, as convidadas trataram de vários obstáculos ainda enfrentados por elas para ocuparem os espaços de poder e decisão.

Esses empecilhos, para elas, se impõem mesmo diante de legislações que visam abrir espaços para as mulheres. Débora Thomé lembrou, por exemplo, que desde 1995, pelo menos 30% das candidaturas dos partidos deve ser de mulheres. O impacto dessa obrigatoriedade tem sido reduzido, porém, por estratégias como a de não financiar essas campanhas.

Além de não financiadas, muitas dessas candidaturas femininas são fictícias, como explicou a juíza Patrícia Henriques Ribeiro, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TER/MG). De acordo com ela, a cada eleição o Tribunal recebe dezenas de denúncias dessas “candidaturas-laranjas”, ou seja, mulheres lançadas oficialmente como candidatas para cumprir a exigência legal de 30% por partido, mas que na prática não fazem qualquer campanha.

Embora várias denúncias cheguem ao Tribunal, porém, a convidada explicou que é difícil provar que as candidaturas são fictícias e a maioria dos casos não gera qualquer sanção aos partidos. Muitas vezes, explicou a juíza Patrícia Ribeiro, as candidatas afirmam que desistiram da candidatura e não é possível apurar se houve alguma pressão dos pares para a desistência ou para que essa declaração seja dada em juízo.

A ex-deputada federal Jô Moraes lembrou que antes mesmo dos pleitos eleitorais as mulheres são boicotadas dentro dos partidos. Segundo ela, a própria dinâmica de funcionamento dessas estruturas não favorece a participação feminina. Ela exemplificou citando que é comum que as reuniões sejam noturnas, o que exclui muitas mulheres que, responsáveis pelas crianças da família, não podem comparecer.

Assim, Jô Moraes defendeu a criação de espaços mais acolhedores para as mulheres em suas necessidades. Para ela, as demandas delas precisam constar nos programas partidários e elas precisam ocupar cargos de direção nas siglas.

Também falando sobre as dificuldades enfrentadas por elas nas trajetórias políticas, a ex-senadora Heloísa Helena salientou que atributos muitas vezes considerados positivos nos homens são tratados negativos quando são sobre mulheres. “Se um homem fala alto, ele é corajoso, incisivo; se a mulher fala alto, ela é destemperada”, disse.

As convidadas falaram, ao longo da reunião, das suas experiências nos espaços políticos e, dessa maneira, reconheceram os avanços e apontaram as dificuldades que ainda se impõem. A ex-senadora Marina Silva lembrou das primeiras eleições das quais participou, na década de 1980, e citou situações nas quais foi ridicularizada tanto por ser mulher quanto por defender a pauta ambiental em um momento em que aqueles que destruíam a Floresta Amazônica eram considerados “benfeitores”.

Apesar das dificuldades, Marina Silva apontou que ganhou várias eleições e que muitas foram as conquistas a partir dos espaços de poder ocupados. Ela citou que diversas pesquisas apontam que os países que conseguiram ultrapassar a marca de 20% dos parlamentos nacionais ocupados por mulheres alcançaram significativas melhorias nas políticas para as mulheres – o Brasil ainda não chegou a 15% dessa ocupação. “Não podemos terceirizar para os homens a representação das mulheres”, afirmou.

As recentes conquistas da vereadora de Conselheiro Lafaiete (Central), Damires Rinarlly Oliveira Pinto, confirmam as pesquisas citadas. A partir da luta dela e de outras mulheres líderes na região, o município que representa inaugurou, neste mês, o Centro de Referência da Mulher, que oferece assistência jurídica, psicológica e social para vítimas de violência doméstica.

Mas, como relatado por Marina Silva, ainda há muitos obstáculos para a sua atuação: única mulher do parlamento de Conselheiro Lafaiete, ela foi ameaçada de morte recentemente. As razões para as ameaças teriam sido projetos de lei sobre violência doméstica contra mulheres e sobre nomes sociais para homens e mulheres transsexuais.

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da comissão, também compartilhou sua experiência e falou sobre, por exemplo, ter sua posição de mãe questionada por ela ocupar um cargo político, como se tal cargo a impedisse de exercer a maternidade de maneira adequada. Ela falou, ainda, da necessidade de se criar condições reais para as mulheres ocuparem mais espaços de poder, a começar pela oferta de cursos de formação.

Fonte: ALMG
Foto: Débora Thomé, cientista política e pesquisadora do Instituto Up Date, em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas (Crédito: Luiz Santana/ALMG)