Após escândalos, inquérito da Polícia Federal, falta de oxigênio, processo administrativo e cinco aditivos contratuais, Prefeitura rompe contrato com gestor da UPA

No dia 30 de julho de 2019 foi encerrado o rumoroso processo licitatório tendo como objeto a contratação de organização social para gestão da UPA 24h em Divinópolis. Foram apresentadas cinco propostas e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) venceu o processo com o valor de R$ 91.043.671,20 para 60 meses de contrato. A proposta do IBDS foi de R$ 20,7 milhões abaixo do teto máximo estabelecido pelo Edital, que foi fixado em R$ 111,8 milhões pela Prefeitura. Mediante o valor apresentado, o custo mensal da UPA para o município seria de R$ 1.517.394,92.

No dia 31 de julho, o Portal do Sintram publicou reportagem mostrando as inconsistências das informações fornecidas pelo IBDS. Entre muitas informações duvidosas, a mais grave estava no endereço fornecido pela entidade. Em nota oficial divulgada logo após o processo, a Prefeitura informou que a sede do Instituto era Belo Horizonte. Ao contrário da informação fornecida pela nota oficial da Prefeitura, a Assessoria de Comunicação do Sintram não conseguiu localizar a matriz do Instituto na capital mineira. Através do telefone (31) 3263-4073, que consta no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), foi informado que o endereço citado pelo IBDS em Belo Horizonte era apenas “uma central de atendimento” para receber recados.

A assessoria de Comunicação do Sintram obteve o telefone celular pessoal do senhor Hercílio Martins, citado como “dono” do Instituto. Ele negou tratar somente de uma “central de atendimento” e afirmou que tratava-se de  um escritório compartilhado, onde trabalham várias empresas. Questionado porque não havia ninguém responsável no local para falar sobre a licitação, Hercílio Martins disse que “todos deveriam estar trabalhando fora” no momento da ligação. Em dezembro de 2020, uma operação realizada pela Polícia Federal chegou à mesma conclusão: o endereço do IBDS não foi encontrado pelos agentes em Belo Horizonte.

INQUÉRITOS

O Portal do Sintram publicou uma série de reportagens que apontam os riscos de contratação do IBDS, diante das consistências e contradições das informações fornecidas. Apesar dos alertas feitos pela presidente do Sintram, Luciana Santos, que diversas vezes se manifestou contra a terceirização da UPA, no dia 2 de setembro de 2019 o então prefeito Galileu Machado (MDB) assinou o contrato repassando a maior unidade de pronto atendimento da região para uma entidade desconhecida e cercada de mistérios.

Não demorou muito para surgir os primeiros problemas. No dia 1º de outubro de 2019, em reportagem intitulada “IBDS deixa trabalhadores ao deus dará”, o Jornal Agora informou sobre a suspensão dos planos de saúde dos servidores da UPA 24h. No dia 11 de dezembro de 2020, no auge da pandemia do coronavirus, a Secretaria de Saúde e o IBDS foram alvos de uma operação da Polícia Federal. O então secretário de Saúde, Amarildo Sousa, foi afastado por ordem judicial. A operação teve por objetivo combater desvio de recursos por Organização Social [IBDS] responsável pela gestão de Unidade de Pronto Atendimento e do Hospital de Campanha de Divinópolis, em contrato que, à época, ultrapassava a R$ 103 milhões.

Leia também: Relatório da Polícia Federal sobre gestão da UPA confirma denúncias feitas pelo Sintram em 2019

Em junho desse ano, A Prefeitura de Divinópolis abriu um processo administrativo contra o IBDS e em setembro foi a vez do Ministério Público do Trabalho (MPT) instaurar um inquérito para apurar a terceirização dos serviços. Embora o inquérito esteja sob sigilo, sabe-se que o MPT apura a prática do IBDS de terceirizar serviços que são de sua responsabilidade contratual.

ADITIVOS CONTRATUAIS

Apesar de todas essas denúncias, em menos de dois anos a Prefeitura de Divinópolis assinou cinco aditivos contratuais com o IBDS. Somente na gestão de Gleidson Azevedo (PSC) o município já assinou três aditivos contratuais com o gestor da UPA. O contrato assinado entre o município e o Instituto em 2019 previa o valor de R$ 91.043.671,20 para cinco anos de gestão da unidade. Com os cinco aditivos, o valor do contrato já está em R$ 121.875.420,60, o que representa um aumento em relação ao valor inicial de 33,58% em menos de dois anos de gestão da unidade.

RESCISÃO CONTRATUAL

Depois de todas essas denúncias e de ter injetado mais R$ 30 milhões ao contrato inicial firmado com o IBDS, o prefeito  Gleidson Azevedo decidiu rescindir o contrato entre o município  e o Instituto. A rescisão foi oficializada através da portaria 194/2021, assinada pelo secretário municipal de Saúde, Alan Rodrigo da Silva, e publicada na edição desta segunda-feira (11) no Diário Oficial dos Municípios. A decisão foi tomada com base no relatório final do Processo Administrativo instaurado em junho pela Prefeitura, que constatou irregularidades na prestação de contas do IBDS. Através de parecer de controle interno da Prefeitura, foi determinada imediata intervenção do município, diante da “necessidade de se preservar a continuidade dos serviços assistenciais de saúde no âmbito da UPA 24H Padre Roberto Cordeiro Martins, mediante estabelecimento de intervenção municipal e período de transição para encerramento da atual execução contratual”.

Ficou definido um prazo de seis meses para transição da gestão,  destinado ao estabelecimento de critérios e medidas paulatinas para fins de encerramento da execução contratual em curso, garantindo a continuidade dos serviços da UPA. Outras medidas, principalmente de maior controle financeiro, foram estabelecidas pela Portaria, que não explica como será feita a intervenção através da Prefeitura. Também não há informações sobre o destino dos atuais funcionários da UPA, já que não são servidores públicos municipais.

Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram
Foto:
11/12/2020 – Agentes da Polícia Federal e da CGU fazem busca na Secretaria Municipal de Saúde, durante operação para investigar o IBDS (Foto: PF)