A gravidade do que ocorreu na Unidade de Pronto Atendimento Padre Roberto (UPA 24h), com a morte da influenciadora Tatielle Scarlat Ferreira, de 28 anos, não comoveu aos vereadores que integram o grupo de blindagem ao prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (Novo). O silêncio desse grupo fisiologista e que sobrevive politicamente da barganha de favores com o Executivo se explica pelo fato de que o Instituto Brasileiro de Políticas Públicas (Ibrapp), que administra a UPA, foi contratado pela atual gestão, que mantém engavetados denúncias e processos administrativos com o objetivo de apurar eventuais descumprimentos contratuais desde que o Instituto assumiu a unidade no ano passado.
A terceirização do serviço, que o prefeito vem mantendo mesmo diante de mortes em sequência ocorridas na UPA 24h, não tem sido motivo de debate na Câmara. Vereadores silenciam sobre essa prática danosa ao serviço público, que terceiriza a saúde, colocando em mãos altamente suspeitas a única unidade de urgência e emergência da cidade.
O contrato de terceirização da gestão da UPA com o Ibrapp foi assinado em 13 de setembro de 2022, inicialmente previsto para R$ 106.199.940,00 por cinco anos. Em um ano e seis meses, o valor foi reajustado em 38,97%, saltando para R$ 147.591.779,04, o que significa um aditivo contratual de R$ 41,3 milhões. Além disso, o Ibrapp já recebeu mais R$ 81,7 milhões a título de “reequilíbrio econômico financeiro mediante aumento do valor do plantão médico. já contemplado o aumento do quantitativo de médicos que extrapola a exigência mínima do Termo de Referência”.
Embora a imprensa só agora tenha acordado para as denúncias de irregularidades na gestão do Ibrapp feitas pelo vereador Rodyson do Zé Milton, o fato não é novo. O vereador apresentou as denúncias no dia 8 de agosto do ano passado, conforme reportagem exclusiva publicada pelo Portal do Sintram no dia 11 do mesmo mês. Leia a reportagem.
Após a denúncia, a Prefeitura instaurou uma sindicância no dia 16 de agosto, cujo relatório foi concluído e entregue ao então secretário municipal de Saúde, Alan Rodrigo da Silva, no início do mês de outubro. A Comissão de Sindicância constatou fraudes ao Processo Seletivo para a contratação de funcionários para a UPA, conforme denunciou o vereador Rodyson, e recomendou ao então secretário a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar.
Alan Rodrigo engavetou o relatório da Comissão de Sindicância por dois meses. No início de dezembro, o então secretário pediu afastamento do cargo por 30 dias para “tratamento de saúde”. Posteriormente, via decreto, a Prefeitura oficializou mais 30 dias para “gozo de férias”, vindo a seguir a exoneração do cargo. A atual secretária municipal de Saúde, Sheila Salvino, finalmente em janeiro desse ano, determinou a instauração do Processo Administrativo Disciplinar para investigar a gestão do Ibrapp. Quatro meses depois, ainda não se conhece a conclusão do processo.
SESSÃO DA CÂMARA
Na sessão da Câmara desta terça-feira (23), dois dias após a trágica morte da influenciadora Tatielle Scarlat Ferreira, 28 anos, mãe de três filhos, esperava-se uma posição contundente do Legislativo para exigir medidas imediatas para conter o descaso ao qual o atendimento na UPA 24h vem sendo submetido. Entretanto, a minoria dos vereadores mostrou sua indignação ao que vem acontecendo na unidade.
Os vereadores que disputam o título de testa de ferro preferido do prefeito não tocaram no assunto. Ana Paula do Quintino (Avante), Josafá Anderson (CDN), Breno Oliveira de Souza (Novo), Claudiney Cunha, o Ney Burger (Novo), Israel Mendonça, o da Farmácia (Progressistas) e Wesley Jarbas (Republicanos), fizeram seus pronunciamentos como se nada tivesse acontecido.
Israel da Farmácia, para livrar a cara do prefeito, ainda acusou os governos estadual e federal pela culpa do caos nos sistema de saúde do município. “Não estou aqui defendendo o governo [prefeito], mas essa culpa da falta de médicos é do governo federal, é do governo estadual que não quer pagar. Eles querem especialistas, mas o governo federal não quer pagar. Quer pagar pouco. Aí fica difícil”, discursou Israel.
O vereador Zé Braz, que se aportou no PL depois de ser expulso do PV por trair a política partidária do partido, para defender o Ibrapp, fez questão de destacar o volumoso número de atendimento na UPA. Segundo ele, do dia 15 ao dia 19, foram 1.883 atendimentos. Sem tocar na morte de Tatielle, Zé Braz, na qualidade de presidente da Comissão de Saúde da Câmara, disse que o Ibrapp foi convocado para dar explicações. E só.
DEPOIMENTOS
Embora a maioria dos vereadores tenha se silenciado para não comprometer o seu chefe, o prefeito Gleidson Azevedo, os vereadores que se dispuseram a falar sobre a morte da influenciadora foram veementes. O primeiro a abordar o assunto foi Lauro Henrique Rodrigues, o Capitão América (PDT). Lauro não fez um pronunciamento e, sim, deu um depoimento, por ser vizinho “de portão”, de Tatielle, como ele mesmo definiu.
Ao começar seu depoimento, Capitão América mostrou uma foto de Tatielle Scarlat na piscina com seus três filhos. “Até quando a gente vai ver um foto como aquela ali, de uma mãe que [morreu], como a família está dizendo, por negligência. Eu tenho vergonha de ser político quando eu olho para aquela foto. Aquela foto ali é culpa de todos nós, é culpa minha, culpa do prefeito, culpa do senador. Eu espero que a Comissão de Saúde [da Câmara] cumpra o seu papel, porque não dá mais para a gente continuar perdendo mães”, disse ele.
Capitão América foi mais longe: “Isso aí só se tornou público, porque essa menina tinha 70 mil seguidores [nas redes sociais]. Se não fosse isso, estava tudo calado. Porque, para nós vereadores, quantos pedidos a gente recebe de mãe que está perdendo familiar na UPA por causa de mau atendimento?”, questionou. “Eu fico “p” da vida, de ver gente que vem aqui falar que está bom”. O vereador pediu uma audiência pública para discutir o assunto.
Edsom Sousa (PSD) bradou: “a saúde já está no CTI. Eu vi mãe gritar, eu vi mãe pedir socorro”. E fez questão de satirizar os políticos da cidade que adoram um rebolado na rede social Tik-Tok. Veja o vídeo:
O vereador César Henrique Fernandes, o César Tarzan (Republicanos), também se emocionou e citou vários nomes de pessoas que morreram depois de buscar atendimento na UPA. “O grande amigo Lê, a dona Sílvia, o Pio, o Zé Barbudo, o seu Tonico, a Tatielle…. Muitos familiares me relataram que essas pessoas foram levadas até a UPA, foram atendidas e liberadas pela UPA para fazer o tratamento em casa e depois de um ou dois dias, elas voltaram até a UPA com o quadro agravado e, a maioria delas não resistiu e veio a falecer”, relatou o vereador.
O CASO TATIELLE
De acordo com a versão da Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) Tatielle foi atendida na UPA 24h na terça-feira da semana passada (16) e queixava-se de diarreia, vômito e dor generalizada. Ainda de acordo com a Semusa, a paciente foi “orientada e medicada”, sendo mandada de volta para casa. Após quatro dias, no dia 20 de abril, às 8h50, a paciente retornou à unidade com graves problemas respiratórios. Após vários exames, dentre eles um RX, foi identificada uma pneumonia. Pela segunda vez, a paciente foi medicada, orientada e liberada com prescrição de antibióticos.
No mesmo dia, às 18h21, a paciente retornou à UPA, levada pelo Samu, com os mesmos sintomas intensificados. Ela foi entubada e transferida para a Sala Vermelha do Hospital São João de Deus às 4h15, de domingo (21). Após três paradas cardíacas, foi constatada a morte de Tatielle Scarlat.
APURAÇÃO
Na terça-feira (22) a Semusa instaurou sindicância para apurar a morte de Tatielle. Em nota, o Ibrapp disse que respeita “os dados dos pacientes e família, a segurança e a correta checagem dos fatos antes de emitirmos uma opinião definitiva sobre o assunto”. Disse ainda que está apurando o ocorrido junto à médica responsável técnica da UPA e garantiu que se for constatado falha no atendimento haverá punições.
Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram