Senado pede à CGU dados sobre repasses da Educação a prefeitos indicados por pastores

O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, deve prestar esclarecimentos ao Senado sobre os indícios de irregularidades na liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) pelo Ministério da Educação. A Comissão Diretora da Casa aprovou nesta quinta-feira (7) um requerimento de informações sobre o assunto.

O pedido é do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele solicita que Wagner Rosário explique quais os indícios de irregularidades encontrados na pasta após as denúncias que levaram à demissão do então ministro Milton Ribeiro. Em áudios divulgados pela imprensa, Ribeiro afirma priorizar prefeitos ligados a pastores evangélicos na destinação de verbas públicas.

Em audiência na Comissão de Educação (CE) do Senado nesta quinta-feira (7), o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Lopes da Ponte, negou qualquer envolvimento de colaboradores do fundo em corrupção na liberação de recursos para municípios.

“O [então] ministro [da Educação] Milton Ribeiro tem a minha mais elevada estima. Acredito na conduta dele. Acredito que terceiros usaram o nome dele, e o meu, eventualmente, para se gabaritar ou fazer lobby sem a nossa autorização”, afirmou Ponte aos senadores.

Convidados para a mesma audiência, os pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura, acusados de tráfico de influência, enviaram ofícios informando que não compareceriam. Isso levou o presidente da CE, senador Marcelo Castro (MDB-PI), a afirmar que uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) “está cada vez mais próxima de acontecer”. “Um remédio amargo, porém necessário”, declarou o senador em suas redes sociais.

“O que nós queremos é esclarecer os fatos. O que nos compete é que os recursos públicos realmente cumpram sua função na sociedade, para nós termos uma educação de melhor qualidade. Pelo menos ele [o presidente do FNDE] veio aqui e prestigiou nossa comissão”,  ressaltou Marcelo Castro, referindo-se à ausência dos pastores.

Durante a audiência, o senador Carlos Viana (PL-MG), da base do governo, declarou-se contrário a uma CPI, embora favorável à investigação das denúncias. “Não é momento para isso. O país está precisando retomar o crescimento, como está acontecendo”, argumentou.

O presidente do FNDE foi convidado pela comissão devido a denúncias de que os pastores Gilmar e Arilton pediram propina a prefeitos em troca da liberação de recursos do fundo. O caso acarretou a demissão do ministro Milton Ribeiro, no final de março. Em outros dois casos relacionados ao FNDE, nesta semana o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu um pregão para a compra de ônibus escolares, por suspeitas de superfaturamento, e a imprensa denunciou a destinação, com recursos do FNDE, de kits de robótica a escolas que, em alguns casos, nem sequer dispõem de computadores.

VÍDEO

Respondendo ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Marcelo da Ponte afirmou no início da audiência que conheceu os pastores “em agendas no Ministério da Educação”, e que nessas reuniões os pastores “faziam alguma fala, uma oração, nada mais, além disso, que eu tenha percebido”. Pressionado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ele acabou admitindo que os encontrou “algumas vezes no FNDE” também.

Marcelo da Ponte chegou a negar ter conhecimento de que os pastores organizassem eventos com prefeitos. Randolfe exibiu, porém, um vídeo de um evento em Salinópolis (SP) em que o presidente do FNDE se dirige aos dois pastores, sentados à mesa de honra do evento, e declara: “Pastor Gilmar, mais uma vez juntos, muito obrigado pela presença; pastor Arilton, que sempre organiza…”.

“Foi um modo de falar. Eles me diziam, por exemplo, quantos prefeitos estariam [lá], para eu saber o número de técnicos que precisava levar para o evento”, justificou Marcelo da Ponte.

O presidente do FNDE acrescentou ter prestado esclarecimentos à Controladoria-Geral da União (CGU) em um processo sigiloso que apurou as denúncias. Anunciou ainda a suspensão preventiva dos repasses do fundo aos municípios citados nas denúncias de corrupção cujos prefeitos foram convidados a depor na CE na última terça-feira (5).

ÔNIBUS

Interrogado por Randolfe especificamente sobre três nomes — Garigham Amarante Pinto, diretor de Ações Educacionais do FNDE; Darwin Lima, consultor do fundo; e Nely Jardim, suposta assessora informal dos pastores —, Marcelo da Ponte confirmou apenas conhecer os dois primeiros. Disse não saber de nada que “desabone a conduta” do primeiro, e que não poderia “avalizar” a do segundo, por estar subordinado a uma diretoria fora de sua alçada.

O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) referiu-se ao papel de Garigham Amarante no pregão dos ônibus escolares. Depois que, diante das suspeitas de sobrepreço, um despacho reduziu o valor do pregão de R$ 2 bilhões para R$ 1,5 bilhão, Garigham assinou um novo termo de referência, reavaliando o pregão em valor próximo dos R$ 2 bilhões originais. Alessandro ressaltou que isso ocorreu em data próxima a uma reunião do presidente do FNDE com o senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), hoje ministro-chefe da Casa Civil, e de cujo gabinete parlamentar Marcelo da Ponte foi chefe.

“Lá em Sergipe, meu estado, tem um negócio que se chama “dança de rato”: o cara fica de um lado para o outro. Por que esse valor voltou para R$ 2 bilhões? O senhor sabe informar?”,  questionou o senador.

“Não. Sei informar que o despacho final da diretoria, e a instrução ao pregoeiro, ficou em R$ 1,567 bilhão. O pregão está seguindo todos os processos da CGU [Controladoria-Geral da União] e recomendações que foram feitas”, respondeu o convidado.

GOVERNO

Senadores do partido do presidente Jair Bolsonaro, Marcos Rogério (PL-RO) e Carlos Portinho (PL-RJ) argumentaram que o caso evidencia não haver corrupção no governo federal; afinal, segundo eles, não se concretizou o tráfico de influência.

“Nenhum governo é imune à tentativa de fraude. Mas aqui os órgãos de controle funcionam, sobretudo internamente, coisa que não acontecia nos governos do PT. Espertalhões certamente existem em todos os níveis do governo. No governo do presidente Bolsonaro, até este momento, corrupção zero”, disse Marcos Rogério.

Portinho acusou a imprensa de “desconhecimento sobre gestão pública”, referindo-se ao caso do pregão dos ônibus. Ele deu a entender que um ônibus escolar é mais caro que um ônibus comum, por necessitar de equipamentos específicos e, no caso daqueles destinados à zona rural, tração dupla para circular em estradas precárias.

Wellington Fagundes (PL-MT) e Lasier Martins (Podemos-RS) lamentaram que a paralisação de obras, em razão de suspeitas de corrupção, impeça a inauguração de novas escolas. Opinando sobre a questão, Marcelo da Ponte defendeu que a lei permita a revisão do valor de obras “que estejam saneadas”, já que “uma obra de 2013 não tem o mesmo valor de hoje, e o prefeito muitas vezes não consegue continuar uma obra com o valor que está pactuado”.

Vários senadores, como Randolfe, Flávio Arns (Podemos-PR), Styvenson Valentim (Podemos-RN) e Zenaide Maia (Pros-RN), fizeram referência ao caso da compra dos kits de robótica. Marcelo da Ponte assegurou que “todas as demandas atenderam critérios técnicos”:

“Nós não fornecemos esse kit robótica. Quem faz a licitação é o município. Eu empenho, o município licita, faz a contratação, recebe, nos presta as contas e fazemos o pagamento”.

Fonte: Agência Senado
Foto: O presidente do FNDE, Marcelo Ponte, em depoimento no Senado (Crédito: Pedro França/Agência Senado)