Relatório da CPI da Covid ultrapassa 100 dias na gaveta do Procurador Geral da República, aliado de Bolsonaro

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Na manhã de 27 de outubro de 2021, o procurador-geral da República, Augusto Aras, recebeu em seu gabinete a comitiva de senadores da CPI da Covid-19. O grupo de parlamentares da facção majoritária do colegiado, conhecido como G7, iniciava naquele dia a sua série de visitas para distribuir nas mãos de autoridades judiciais cópias do relatório com os resultados das investigações sobre ações e omissões da gestão de Jair Bolsonaro durante a pandemia.

No último sábado (04), o relatório solicitando o indiciamento de Jair Bolsonaro e diversas outras lideranças na cúpula do governo completou 100 dias nas mãos de Aras sem nenhum processo aberto. Abertamente aliado do presidente Jair Bolsonaro, Augusto Aras já tomou várias decisões para proteger o presidente e seus aliados.

Segundo o relator Renan Calheiros (MDB-AL), a inércia do procurador já era esperada pelo colegiado. “Então o que a gente fez: mandamos para ele aquela parte [do relatório] com foro especial. Mas os crimes correlatos, onde os agentes não têm foro especial, nós encaminhamos para a primeira instância”, explicou. Houve um movimento para acionar o Supremo Tribunal Federal caso houvesse demora na resposta de Aras. A possibilidade, porém, foi descartada.

FRUTOS DA CPI

Apesar de o relatório ter sido engavetado na Procuradoria-Geral da República (PGR), alguns processos chegaram a ser abertos nas demais instâncias. Em São Paulo, o Ministério Público criou uma força-tarefa para investigar as ações da Prevent Senior, seguradora de saúde acusada no relatório da CPI de fazer experimentos ilegais em seus pacientes utilizando as medicações do “kit covid”.

Em Brasília, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recebeu 57 pedidos de indiciamentos contra agentes suspeitos de compor o gabinete paralelo, que teria orientado o presidente Jair Bolsonaro para a gestão da pandemia no lugar das agências de saúde. Ao contrário do que ocorreu em São Paulo, o parquet brasiliense negou os pedidos por entender que são crimes de competência da justiça federal.

Em Manaus, epicentro das mortalidades da pandemia durante suas duas primeiras ondas, bem como no Rio de Janeiro, os ministérios públicos seguem sem avançar nos processos solicitados no relatório. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também recebeu um pedido de impeachment de Bolsonaro com base nas investigações. Este também segue sem uma resposta.

Humberto Costa (PT-PE), membro titular do colegiado, destaca que os principais objetivos da CPI foram atingidos ainda durante o seu funcionamento. “Ela trouxe ao Brasil a luz do que é de fato o governo Bolsonaro: conseguimos mostrar a forma equivocada com que o governo enfrentou a pandemia, expusemos o caráter do negacionismo, a indiferença diante do sofrimento das pessoas e sua omissão com relação às vacinas e às medidas de prevenção. Com isso, ela obrigou o governo a comprar vacinas e mudar seu discurso”, avaliou o senador.

Renan Calheiros acrescenta que, apesar de não ter sido criada com o propósito de comprometer o poder executivo, a elevada visibilidade da CPI abalou a imagem de Jair Bolsonaro. “O governo vivia se vendendo como base no combate à corrupção. Isso já estava sendo afetado pelo Flávio Bolsonaro (PL-RJ) com as rachadinhas, mas o esquema da Covaxin foi um escândalo. Comprovou-se o interesse de comprar uma vacina pelo preço mais caro, com intermediários sem nenhuma relação com o mundo dos imunizantes”, relembrou.

ARTICULAÇÃO PÓS-CPI

Ficou claro para os senadores que, encerrados os trabalhos da CPI, não demorou para que Jair Bolsonaro voltasse a assumir as posturas adotadas antes do estabelecimento da comissão. “Quando a CPI deixa de oferecer um contraponto ao negacionismo dele, ele se sente mais desenvolto para retomar as tolices que sempre falou”, apontou Renan. Humberto Costa complementa: “Ele tem ficado mais afoito em suas declarações”.

Para dar continuidade ao trabalho da CPI, seus membros criaram a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia, com uma estrutura semelhante à do antigo colegiado. A natureza do bloco, porém, cria limitações com relação às suas possibilidades de atuação. “Por essa razão, estamos fazendo um trabalho associado entre o Observatório e a Comissão de Direitos Humanos do Senado”, explicou Humberto Costa.

A atual prioridade do observatório está em romper a inércia de Augusto Aras. Para isso, Humberto Costa já o convidou para comparecer na Comissão de Direitos Humanos para prestar esclarecimentos sobre sua postura diante dos pedidos. Também foram convidados os procuradores responsáveis pelos pedidos encaminhados aos ministérios públicos estaduais.

A cúpula do observatório planeja se reunir ainda esta semana em Brasília para debater outras estratégias para dar andamento aos pedidos. Outra medida já no radar da frente parlamentar está em comparecer novamente à PGR, para fazer o mesmo tipo de cobrança. A aposta do G7 é que, com a queda de popularidade de Jair Bolsonaro, Augusto Aras perca o interesse em blindá-lo de processos penais.

Outra estratégia, encabeçada pelo senador e vice-presidente do Observatório, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), é a coleta de assinaturas para protocolar um pedido de impeachment contra Augusto Aras. Em suas redes sociais, anunciou a elaboração do pedido afirmando que “Aras passou de todos os limites” e que deve se dignar “a assumir a chefia do Ministério Público Federal, e não mais a função de serviçal de Bolsonaro”.

Fonte: Congresso em Foco
Foto: O relatório foi entregue a Augusto Aras no dia 27 de outubro do ano passado (Crédito: Antonio Augusto/Secom/MPF)

 

 

 


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