Reforma administrativa proposta pelo governo federal não tem data para ser votada

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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020 protocolada no Congresso Nacional pelo governo de Jair Bolsonaro no ano passado, ainda não tem data para ser apreciada.A proposta está na Câmara dos Deputados, aguardando parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que não tem prazo para liberar o documento.

A proposta muda regras para os novos servidores públicos e entre as mudanças está a limitação da estabilidade no emprego para algumas carreiras. No regime estatutário em vigor, os servidores são titulares de cargos públicos e somente se distinguem efetivos de comissionados. A PEC prevê diferentes categorias nas unidades em que for adotado o novo regime jurídico de pessoal. A definição de cada grupo será feita por lei complementar:

– servidores ocupantes de cargos típicos de Estado
– servidores ocupantes de cargos não classificados como típicos de Estado
– servidores ocupantes de cargos de liderança e assessoramento
– cidadãos inscritos em concursos públicos no exercício de funções imputadas aos cargos que postulam, sem que sejam titulares ou estejam investidos

ESTABILIDADE

A estabilidade será restrita a servidores ocupantes de cargos típicos de Estado, somente depois do término do vínculo de experiência e de permanecerem por um ano em efetivo exercício com desempenho satisfatório. A demissão é admitida por decisão judicial proferida por órgão colegiado. Atualmente, o servidor somente pode ser demitido após o trânsito em julgado.

A demissão por insuficiência de desempenho vai depender de critérios estabelecidos em lei federal ordinária. Uma lei ordinária também vai definir as condições de perda de cargo que não sejam classificados como típicos de Estado, o que neste caso poderá ocorrer durante todo o período de atividade.

Servidores de cargos públicos ou agentes com vínculo temporário não poderão ser desligados por motivação político-partidária. No entanto, isso pode ser feito no caso de cargos de liderança e assessoramento.

A estabilidade continua a valer para ocupantes de cargos públicos que já estiverem em exercício quando a PEC for promulgada. No entanto, eles passarão a ser submetidos a avaliação de desempenho. Lei ordinária vai tratar da avaliação de desempenho para fins de demissão.

No que diz respeito aos ocupantes de cargos públicos que já estiverem em exercício na data de entrada em vigor da nova sistemática, são aplicados os critérios previstos para os servidores ocupantes de cargos “típicos de Estado” (art. 2º da PEC). É acrescida a determinação para que sejam submetidos a avaliação de desempenho, que se efetivará de modo uniforme, na medida em que se promove revogação de previsão para que o procedimento seja realizado de forma diferenciada para obtenção de estabilidade no cargo, estabelecida no § 4º do art. 41 da Constituição. Em razão da remissão promovida, a referida avaliação de desempenho, para fins de demissão, passará a observar critérios estabelecidos, conforme se esclareceu, em lei ordinária, e não mais em lei complementar.

CONTRATO TEMPORÁRIO

A PEC permite a contratação, mediante processo seletivo simplificado, de pessoal com vínculo por prazo determinado, com recursos próprios de custeio. Issos será admitido em três hipóteses:

= calamidade, emergência, paralisação de atividades esseciais ou acúmulo transitório de serviço
– atividades, projetos ou necessidades de caráter temporário ou sazonal, com indicação expressa da duração dos contratos
– atividades ou procedimentos sob demanda

CONCURSOS PUBLICOS

A PEC mantém a exigência de aprovação em concurso público para acesso a empregos permanentes. No entanto, haverá uma segunda etapa para o concurso, na qual o candidato passa por “vínculo de experiência”, que vai determinar a classificação final. A etapa deve durar pelo menos um ano, para acesso a cargos que não sejam qualificados como típicos de Estado, ou dois anos, para cargos típicos de Estado

CARGOS COMISSIONADOS

Com a PEC, deixam de existir os “cargos em comissão de livre provimento e exoneração” e as “funções de confiança” previstos atualmente na Constituição. Serão ambos substituídos por “cargos de liderança e assessoramento”, destinados a atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas. Critérios mínimos de acesso e exoneração serão estabelecidos por ato do chefe de cada Poder. É possível que os titulares no novo sistema desempenhem atividades atualmente exclusivas de servidores efetivos.

EXERCÍCIOS E ACÚMULO DE CARGOS

Militares e servidores de cargos típicos de Estado somente podem acumular seu emprego com o exercício da docência ou atividade de profissional de saúde. Fica vedado o exercício de qualquer outra atividade remunerada, mesmo sem vínculo com a administração pública, o que hoje não é tratado pela Constituição. Somente se admitem exceções em municípios com até 100 mil eleitores

Para os outros servidores, é genericamente autorizada a acumulação de cargos e empregos públicos, desde que haja compatibilidade de horários. Atualmente, o acúmulo só é permitido para

– dois cargos de professor
– um cargo de professor e outro técnico ou científico
– dois cargos de profissionais de saúde

LIMITAÇÃO DE VANTAGENS

Passa a ser expressamente proibida a concessão, a qualquer servidor ou empregado da administração pública direta ou de autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista:

– férias em período superior a 30 dias pelo período aquisitivo de um ano
– adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada
– aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos
– licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada. A única ressalva é a licença para fins de capacitação
– redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde
– adicional ou indenização por subsituitção, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão, função de confiança e cargo de liderança e assessoramento
– progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço
– parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei, exceto para empregados de empresas estatais

PROIBIÇÕES

Fica proibida a aposentadoria compulsória como modalidade de punição. É vedada a incorporação total ou parcial de gratificação ao cargo efetivo. Não será admitida, em relação a cargos típicos de Estado, a redução de jornada e de remuneração. A restrição não vale para servidores ocupantes de outros cargos, implicitamente admitindo a redução remuneratória caso se promova encurtamento da jornada de trabalho. As parcelas indenizatórias pagas em desacordo serão extintas dois anos após a promulgação da Emenda. Estas proibições não se aplicam a magistrados, membros do Ministério Públicio e militares.

CONTRATOS

Segundo a PEC, a lei disciplinar vai dispor sobre:

– a possibilidade de contratação, mediante processo seletivo simplificado, de pessoal com vínculo por prazo determinado
– os procedimentos específicos para aquisição de bens e contratação de serviços
– os critérios para gestão de receitas próprias dos órgãos ou entidades signatários do contrato, assim como a exploração de seu patrimônio
– o monitoramento e a avaliação periódica de metas de desempenho
– a transparência e a prestação de contas relacionadas aos recursos abrangidos pelo contrato

FEDERALIZAÇÃO DE NORMAS

A União poderá editar normas gerais sobre:

– gestão de pessoas
– política remuneratória e de benefícios
– ocupação dos cargos de liderança e assessoramento
– organização da força de trabalho no serviço público
– progressão e promoção funcionais
– desenvolvimento e capacitação de servidores
– duração máxima da jornada para fins de acumulação de atividades remuneradas

Essas normas não se aplicam a membros da magistratura, Ministério Público, advocacia pública, Defensoria Pública e Forças Armadas.

São revogadas da Constituição as escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, destinadas a oferecer cursos exigidos para promoção na carreira.

PARCERIA COM ENTES PRIVADOS

A PEC permite ao Poder Legislativo editar normas gerais para delegar a particulares atividades exercidas pelo poder público. Permite-se mesmo o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira, desde que não se abranjam atividades privativas de cargos típicos de Estado.

PREVIDÊNCIA

A PEC introduz nova fórmula de enquadramento de servidores públicos em regimes previdenciários (Regimes Próprios de Previdência Social -RPPS e Regime Geral de Previdência Social – RGPS), que passaria a observar os seguintes critérios:

– aplicação de regime previdenciário próprio exclusivamente para cargo típico de Estado outros cargos efetivos e pessoas em cumprimento de vínculo de experiência
– filiação ao RGPS dos detentores de vínculos por prazo determinado, titulares de empregos públicos, servidores ocupantes exclusivamente de cargos de liderança e assessoramento, titulares de mandato eletivo e titulares de outros cargos temporários
– concessão de autorização para que o ente federado, por meio de lei complementar, enquadre no RGPS, de forma irreversível, sem prejuízo da possibilidade de adesão ao regime complementar, o ocupante de cargo que não seja típico de Estado, e os que estiverem em “vínculo de experiência
– aposentadoria compulsória de empregados de consórcios públicos, de empresas públicas, de sociedades de economia mista e de suas subsidiárias passa a ser aos 75 anos, com regras de cálculo e concessão do RGPS

Servidores celetistas cujos empregos serão transformados em cargos públicos serão inseridos em regimes próprios de previdência social.

Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) “ao contrário do que tem sido afirmado pelo governo Bolsonaro e seus apoiadores, a reforma administrativa altera e retira direitos e garantias já consagrados para os atuais servidores públicos”.

De acordo com o Dieese, “a mais importante alteração que consta da PEC 32/2020 é o que se pode chamar de relativização da estabilidade. A estabilidade é regra constitucional e é a maior garantia para a sociedade de que o servidor poderá desempenhar seu trabalho de forma impessoal, sem se preocupar com qualquer tipo de represália, tendo o mínimo de influências de ordem político-partidária e sem comprometer a missão final de bem atender ao cidadão”.

A proposta em análise prevê que o servidor possa perder seu cargo a partir de uma decisão proferida por órgão judicial colegiado (segunda instância). Essa alteração representa um gravíssimo retrocesso para os servidores, visto que atualmente a perda do cargo só pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo.

“Desde a Constituição de 1934, a hipótese de perda judicial do cargo público somente acontecia depois do trânsito em julgado, o que foi mantido na redação originária da Carta de 1988. Caso a PEC32 seja aprovada, os servidores atuais poderão ser destituídos do cargo pela primeira decisão judicial colegiada (proferida por um tribunal), mesmo sendo alto o número de julgamentos favoráveis aos servidores nas últimas instâncias, que corrigem injustiças de decisões colegiadas anteriores”, diz o Dieese.

“A perda de cargo mediante processo administrativo não sofre alterações na PEC. Todavia, outro dispositivo do texto diz que a perda do cargo pelo servidor efetivo pode se dar a partir de uma avaliação periódica de desempenho, sendo que os critérios dessa avaliação deverão ser definidos em lei ordinária. Atualmente, a Constituição determina que lei complementar defina os critérios de avaliação de desempenho dos servidores, mas essa lei ainda não foi editada. O grande risco aqui é a possibilidade de aprovação de uma lei extremamente prejudicial ao conjunto dos servidores, que pode criar mecanismos que facilitem a perda do cargo, por um quórum inferior ao necessário para as mudanças na Constituição ou para a aprovação de uma lei complementar. Como se sabe, enquanto a aprovação de uma lei complementar exige maioria absoluta (que é o primeiro número inteiro superior à metade das cadeiras [1] em dois turnos de votação na Câmara e no Senado, uma lei ordinária exige apenas a maioria simples dos presentes à sessão, em um turno de votação em cada casa legislativa”, conclui o Dieese.

Fontes: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados/Nota Descritiva da PEC 32/20 e Dieese

 

 

 


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