No dia 30 de julho de 2019 foi encerrado o rumoroso processo licitatório tendo como objeto a contratação de organização social para gestão da UPA 24h em Divinópolis, para substituir a Fundação Santa Casa de Formiga, que deixou a gestão da unidade após uma administração fracassada e cercada de suspeitas de fraudes. A licitação de 2019 foi vencida pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) pelo valor de R$ 91.043.671,20 para 60 meses de contrato. A proposta do IBDS foi de R$ 20,7 milhões abaixo do teto estabelecido pelo Edital, que foi fixado em R$ 111,8 milhões pela Prefeitura. Mediante o valor apresentado, o custo mensal da UPA para o município seria de R$ 1.517.394,92.
Após a confirmação da vencedora, o Portal do Sintram realizou uma série de reportagens investigativas e levantou diversas inconsistências no IBDS. O então prefeito, Galileu Machado (MDB) e seu secretário de Saúde, Amarildo Sousa, fizeram vistas grossas às denúncias contidas nas reportagens.
Relembre algumas das reportagens produzidas pelo Portal do Sintram
Vencedora da licitação da UPA administra uma única unidade em cidade com pouco mais de 37 mil habitantes (Publicada no dia 31 de julho de 2019, um dia após o processo licitatório)
Secretaria de Saúde e organização social gestora da UPA 24h são alvos de operação da Polícia Federal; secretário de Saúde de Divinópolis é afastado (Publicada em 11 de dezembro de 2021)
Diretor Financeiro diz que Secretaria de Saúde já havia detectado irregularidades na gestão da UPA Padre Roberto (Publicada em 16 de dezembro de 2020)
Em menos de dois anos, Instituto gestor da UPA derrubou um secretário de Saúde e virou caso de Polícia (Publicada no dia 1º de fevereiro de 2021)
Relatório da Polícia Federal sobre gestão da UPA confirma denúncias feitas pelo Sintram em 2019 (Publicada em 5 de fevereiro de 2021)
Organização social gestora da UPA em Divinópolis passa a ser alvo de três investigações simultâneas (Publicada no dia 11 de fevereiro de 2021)
Após escândalos, inquérito da Polícia Federal, falta de oxigênio, processo administrativo e cinco aditivos contratuais, Prefeitura rompe contrato com gestor da UPA (Publicada no dia 11 de outubro de 2021)
CINCO ADITIVOS CONTRATUAIS
Apesar de todas as suspeitas de vários crimes cometidos contra a administração pública pelo IBDS, a Prefeitura de Divinópolis ainda assinou cinco aditivos contratuais para a gestão da UPA, sendo três na administração de Gleidson Azevedo (PSC). O contrato assinado entre o Município e o Instituto previa o valor de R$ 91.043.671,20 para cinco anos de gestão da unidade. Com os cinco aditivos, o valor do contrato chegou a R$ 121.875.420,60, o que representa um aumento em relação ao valor inicial de 33,58% em menos de dois anos de gestão da unidade pelo IBDS.
O primeiro aditivo, assinado em 23 de março de 2020, pelo então secretário de Saúde, Amarildo Sousa, foi de 9,731% ao valor original do contrato e representou R$ 8.859.978,96 a mais para os cofres do IBDS. O aditivo foi justificado “pela necessidade de incrementar as medidas de ampliação da capacidade operacional com o objetivo de evitar o crescimento exponencial do contágio com risco de colapsar a estrutura hospitalar do município”.
O segundo aditivo foi assinado pouco mais de um mês após a assinatura do primeiro. O acordo foi fechado no dia 13 de maio de 2020 e mais uma vez assinado pelo então secretário Amarildo Sousa, acrescendo mais 3,4354%, perfazendo um novo acréscimo de R$ 3.127.770,50 ao valor do contrato original. Com esses dois aditivos, que estão sob investigação em inquérito instaurado pela Polícia Federal, chegou-se ao montante de R$ 103.031.420,70. Esse valor foi a referência usada pela Polícia Federal em 11 de dezembro do ano passado, quando uma operação que teve ainda a participação da Controladoria Geral da União (CGU) destituiu do cargo o então secretário de Saúde, Amarildo Sousa, afastou cinco membros do IBDS e instaurou o inquérito sob suspeita de desvio de recursos, superfaturamento de preços na montagem do hospital de campanha e favorecimento ao IBDS no processo licitatório ocorrido em agosto de 2019.
O terceiro aditivo foi assinado pelo atual secretário de Saúde, Alan Rodrigo da Silva, no dia 19 de fevereiro e representou um reajuste contratual de 5,87%, injetando R$ 5.344.000,00 aos cofres do IBDS. O quarto aditivo repassou mais R$ 9 milhões ao IBDS e, posteriormente, foi assinado o quinto acréscimo ao contrato, que injetou mais R$ 4,5 milhões aos cofres do instituto gestor da UPA.
RESCISÃO DE CONTRATO
Apesar de todas as suspeitas e das investigações da Polícia Federal (que ainda não foram concluídas), a rescisão do contrato de prestação de serviços com o IBDS aconteceu somente em outubro do ano passado, porém o Instituto continuou na administração da UPA, sob o argumento da necessidade da continuidade da prestação do serviço.
Na edição desta terça-feira (13) do Diário Oficial dos Municípios, foi publicada a Portaria Conjunta 224/2022, assinada pelo secretário municipal de Saúde, Alan Rodrigo da Silva, e pelo prefeito Gleidson Azevedo (PSC), que rescinde unilateralmente o contrato de gestão da UPA com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) “por relevante interesse público”.
A Portaria informa que após a Operação da Polícia Federal, a Secretaria de Saúde fez uma minuciosa varredura nas prestações de contas do IBDS “com o objetivo de identificar a ocorrência de contratações realizadas em desacordo com o regramento imposto àqueles que manejam recursos públicos”. Diz ainda que a rescisão contratual encontra respaldo na Nota Técnica 2.560/2020, da Controladoria Geral da União (CGU).
De acordo com a Nota Técnica da CGU “a análise da documentação de prestação de contas ao Primeiro Termo Aditivo ao Contrato 21/2019 [contrato de gestão da UPA], relativa às competências de abril a junho de 2020, permitiu identificar uma série de contratações promovidas pelo IBDS para prestação de serviços em caráter de assessoria e consultoria. Todos esses contratos (…) tratam de objetos genéricos, que não são traduzidos pelo instrumento formal em serviços mensuráveis ou produtos quantificáveis. Em nenhum dos contratos, o IBDS fez constar o detalhamento dos serviços prestados, indicando, minimamente, características essenciais à regulação do vínculo formado com as empresas, como a composição de custos dos serviços, os produtos/resultados esperados, os prazos pactuados por serviço e os recursos humanos e materiais envolvidos”.
A CGU diz ainda que “considerando que essa descrição imprecisa do objeto nos contratos decorre dos Editais, o procedimento prévio de seleção dos possíveis interessados em fornecer assessoria e/ou consultoria ao IBDS é inviabilizado porque as empresas não têm acesso a informações suficientes para a formação de seu preço, que é o único critério de julgamento adotado nos processos (menor preço). A inexistência de informações sobre quantidade, custos, prazos e resultados esperados impedem a adoção de parâmetros de avaliação de desempenho técnico e financeira e impossibilitam a estimativa técnica do preço, tornando qualquer valor proposto para a contratação um mero exercício de conjugação de interesses próprios da empresa e da disponibilidade financeira da entidade contratante.”
A Portaria publicada nesta terça-feira acrescenta que “aliada às inconsistências de ordem contábil e financeira, o IBDS foi alvo de inspeções da Vigilância Sanitária do Município de Divinópolis, com identificação de problemas de natureza assistencial e de processos de trabalho, bem como de diligências da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Divinópolis, que culminaram com a elaboração de relatório de achados reputados incompatíveis com a melhor técnica para a prestação dos serviços de saúde”.
O IBDS será formalmente comunicado hoje da rescisão unilateral do contrato e terá cinco dias para se manifestar. Foi concedido um prazo de 30 dias para efetivação da transição da gestão da UPA 24h, para que o IBDS se afaste definitiva e efetivamente da gestão da unidade. Esse prazo deverá coincidir com o cumprimento dos avisos prévios de cerca de 200 trabalhadores, entre pessoal da enfermagem, médicos e equipes de apoio, que serão demitidos. Ainda não se sabe se eles serão recontratados pela atual gestora da Unidade.
De acordo com a Prefeitura, a Portaria não aplicará nenhuma punição ao IBDS, já que seu objetivo é findar imediatamente o contrato de gestão da UPA.
NOVO GESTOR
A Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), formalizou nesta terça-feira (13) a assinatura do contrato com o Ibrapp (Instituto Brasileiro de Políticas Públicas), que será a nova organização que vai administrar a UPA. O contrato prevê cinco anos de gestão para o Instituto, que a exemplo do IBDS é uma entidade praticamente desconhecida em Minas Gerais.
Segundo a Semusa, “com a assinatura deste contrato, inicia-se efetivamente o processo de transição de gestão, necessário tanto para a integração da nova gestora, quanto para a conclusão dos processos que são típicos e inerentes às rescisões, principalmente, em relação ao cumprimento do aviso prévio dos colaboradores”.
A Prefeitura não informou o valor do contrato assinado com o Ibrapp, que será a terceira organização social a administrar a UPA em apenas oito anos de funcionamento da unidade. As duas gestões anteriores, da Santa Casa de Formiga, e do IBDS, foram dois fracassos que demonstram o mal que a terceirização de serviços públicos causa à população.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Divinópolis e Região Centro-Oeste (Sintram), Wellington Silva, mais uma vez administração municipal entrega a saúde para a administração de terceiros, mesmo diante dos prejuízos sofridos pelo município nos últimos anos. “Infelizmente esse governo tem a terceirização quase como regra. O Sintram sempre alertou para os riscos da terceirização, especialmente nesse caso da UPA. Porém, infelizmente, a administração busca o caminho mais fácil que é lavar as mãos e entregar a saúde, que há anos vem sendo questionada, para mais uma entidade desconhecida”, afirmou.
Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram
Foto: A Portaria de rescisão unilateral do contrato com o IBDS foi assinada na tarde desta segunda-feira pelo secretário de Saúde, Alan Rodrigo da Silva, e pelo prefeito Gleidson Azevedo (Foto: Dircom/PMD)