Organização Social de fachada contratada por Galileu para gerir a UPA desviou mais de R$ 100 milhões do Hospital de Campanha

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Hospital de Campanha foi usado para desvio de recursos durante a covid-19 (Foto: Jotha Lee/Sintram – julho de 2021)

A Operação Entre Amigos, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela  Controladoria Geral da União (CGU) em 2020, trouxe novas revelações na semana passada. Entre elas, está o desvio de mais de R$ 100 milhões do Hospital de Campanha da UPA Padre Roberto, que funcionou entre 2020 e 2021, período mais agressivo da covid-19. O principal alvo é o Instituto  Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) contratado pelo então prefeito Galileu Machado para administrar a Unidade de Pronto Atendimento.

A contratação do IBDS pelo ex-prefeito ocorreu após um rumoroso processo licitatório, inclusive com denúncia de direcionamento do resultado. Na ocasião, foram apresentadas cinco propostas e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) venceu o processo com o valor de R$ 91.043.671,20 para 60 meses de contrato. A proposta do IBDS foi de R$ 20,7 milhões abaixo do valor máximo estabelecido pelo Edital, que foi fixado em R$ 111,8 milhões pela Prefeitura. O processo licitatório foi encerrado no dia 30 de julho de 2019.

O Portal do Sintram acompanhou todo o processo e realizou investigações paralelas antes da assinatura do contrato de gestão. Um dia após o IBDS vencer a licitação, 31 de julho de 2019, o Portal do Sintram publicou reportagem mostrando as inconsistências das informações fornecidas pelo IBDS. Entre muitas informações duvidosas, a mais grave estava no endereço fornecido pela entidade.

Em nota oficial divulgada logo após o processo, a Prefeitura informou que a sede do Instituto era Belo Horizonte. Ao contrário da informação fornecida pela Prefeitura, o Portal do Sintram não conseguiu localizar a matriz do Instituto na capital mineira. Através do telefone (31) 3263-4073, que consta no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), foi informado que o endereço citado pelo IBDS em Belo Horizonte era apenas “uma central de atendimento para receber recados”.

INQUÉRITOS

O Portal do Sintram publicou uma série de reportagens que apontavam os riscos da contratação do IBDS, diante das inconsistências e contradições das informações fornecidas. Os problemas com o IBDS começaram a surgir 30 dias após sua contratação. Contratado em setembro de 2019, em outubro foram suspensos os planos de saúde dos funcionários da unidade.

Não demorou muito para surgir os outreos problemas. No dia 11 de dezembro de 2020, no auge da pandemia do coronavirus, a Secretaria de Saúde e o IBDS foram alvos de uma operação da Polícia Federal. O então secretário de Saúde, Amarildo Sousa, foi afastado por ordem judicial. A operação teve por objetivo combater desvio de recursos pelo IBDS, à época, calculados em R$ 103 milhões.

Em junho de 2021, no pico da covid-19, os pacientes internados no Hospital de Campanha, montado no pátio da UPA ficaram sem oxigênio por falta de bombas injetoras. As internações no Hospital, construído exclusivamente para pacientes de covid-19 chegaram a ser suspensas e só foram retomadas após intervenção da Comissão de Saúde da Câmara.

RELATÓRIO

No início de 2021, a Polícia Federal divulgou o primeiro balanço das investigações realizadas na UPA. O relatório da investigação confirmou denúncias feitas pelo Portal do Sintram em diversas reportagens publicadas em agosto de 2019, mês em que foi realizado o processo licitatório para terceirização da UPA. No auge do debate sobre a terceirização, a diretoria do Sintram se posicionou contra a medida e por várias vezes alertou ao Executivo sobre os riscos de entregar a maior unidade de pronto atendimento da região e única da cidade a uma empresa terceirizada e sob suspeita.

O Portal do Sintram produziu reportagens investigativas que tiveram como objetivo apresentar o perfil do IBDS. As reportagens trouxeram revelações preocupantes, porém não sensibilizaram ao governo Galileu Machado, que manteve o processo licitatório, ignorou recursos apresentados por outras concorrentes e entregou a UPA ao IBDS.

O relatório da investigação conduzida pela Polícia Federal revelou que “o valor do contrato do município com o IBDS, incluindo dos aditivos, chegou a R$ 103 milhões em 60 meses”. Entretanto, segundo a PF, o IBDS recebia do município R$ 1.517.394,92 por mês pela gestão da UPA, porém, após a pandemia, houve adiantamento contratual e o valor mensal passou para mais de R$ 3 milhões mensais.

A apuração feita pela Polícia Federal e CGU constatou que as irregularidades envolvendo a relação entre o IBDS e o governo municipal começaram antes mesmo do processo licitatório. De acordo com o relatório, houve irregularidades na qualificação do IBDS que permitiram sua participação na licitação, uma vez que a Secretaria de Saúde não exigiu o cumprimento dos requisitos previstos na legislação.

Uma das revelações mais importantes do relatório da Polícia Federal já havia sido denunciada pelo Sintram em agosto de 2019: “Diligências de campo apontam que o IBDS sequer tinha sede física”, diz o relatório, confirmando que as investigações não conseguiram localizar o endereço da sede da empresa, assim como o Portal do Sintram não conseguiu encontrar o endereço.

O relatório da PF diz ainda: “apurou-se superfaturamento de preços [do IBDS] em contratações de compras como álcool em gel e ambulâncias. Diligências de campo da Polícia Federal encontraram apenas duas das 20 empresas contratadas. O IBDS contratou serviços que ele mesmo tinha obrigação de executar, conforme previsão contratual”.

Depois de todas as conclusões do relatório da PF na primeira fase da Operação Entre Amigos, em dezembro de 2021 a Prefeitura rescindiu o contrato de prestação de serviços com o IBDS.

Em dezembro de 2022, com base nos inquéritos da Polícia Federal e da CGU, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco pessoas por crimes de peculato (art. 312 do Código Penal) e associação criminosa (art. 288) cometidos durante a execução de contrato de gestão celebrado pela Prefeitura com a organização social Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) para a operação da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Padre Roberto.

Foram denunciados Bráulio Henrique Dias Viana, Daniella Pedrosa Salvador Viana e Ercílio Martins da Costa Júnior, responsáveis pela administração do IBDS, foram denunciados por peculato (art. 312) e associação criminosa (art. 288), ambos do Código Penal. Tiago Simões Leite e Alexandre Antônio da Silva José, sócios de uma empresa de locação de veículos especiais (ambulâncias) foram denunciados por peculato (art. 312).

Na principal fase da Operação Entre Amigos Polícia Federal (PF) ocorrida em 2020, trinta mandados foram cumpridos – quatro de prisão temporária e 26 de busca e apreensão nas cidades. A operação ocorreu em Divinópolis, onde começou o esquema fraudulento, e seguiu em Belo Horizonte, Oliveira, Betim, Contagem, Mateus Leme, Lagoa Santa e São Joaquim de Bicas. Foram 112 Policiais Federais e 10 auditores da Controladoria Geral da União (CGU). N a ocasião, o então Secretário Municipal de Saúde de Divinópolis, Amarildo de Sousa, foi afastado do cargo por decisão judicial.

Reportagem publicada no dia 11 de janeiro de 2021

NOVOS DESDOBRAMENTOS

Promotor Gilmar de Assis é suspeito de integrar o grupo de corrupção formado pelo IBDS (Foto/Reprodução Facebook)

Na semana passada, ocorreram novos desdobramentos da Operação Entre Amigos, foco principal no IBDS, que segundo a PF liderava uma quadrilha para cometer os desvios de recursos durante a pandemia da covid-19.  A PF reafirmou que o IBDS teria usado a “influência no meio político” para tentar direcionar verbas federais a ao menos outros 18 municípios mineiros e, posteriormente, obter lucro por meio de contratações ilícitas, sem licitação. É o que aponta o relatório final da Operação “Entre Amigos II”, que indiciou 27 pessoas por suspeita de envolvimento no esquema criminoso contra a Prefeitura de Betim.

Apesar de as fraudes contra pelo menos três prefeituras terem sido descobertas durante a crise sanitária, entre 2020 e 2021, a investigação – que é desdobramento de outra, em Divinópolis – encontrou indícios da tentativa de atuação da organização criminosa em outras 18 cidades desde 2018. Segundo o delegado Felipe Baeta, provas coletadas durante o inquérito demonstraram que os donos do IBDS contavam com auxílio de pessoas com experiência em gestão pública para atuar como lobistas em Brasília. A ideia era atrair recursos para prefeituras que estariam na mira da quadrilha entre 2018 e 2019.

A PF informou na semana passada que tem evidências de que o IBDS iniciou a atuação nos municípios de “Matozinhos, Prudente de Morais, e Confins, mas depois conseguiu os contratos de Divinópolis, Betim e Ribeirão das Neves”. Nas três últimas cidades, foi comprovado rombo de pelo menos R$ 27,5 milhões, mas prejuízo pode chegar a 20% dos cerca de R$ 200 milhões pagos ao instituto para a gestão de serviços de saúde.

Segundo a investigação, um dos suspeitos de assumir o papel de articulador da organização criminosa seria Marcelo Luiz Alves, indiciado por peculato na “Operação Entre Amigos II”. Conforme o inquérito, a PF recuperou uma série de ligações e mensagens trocadas entre ele e um assessor parlamentar que atuava em Brasília. Nas conversas, registradas entre 2018 e 2019, há pistas sobre o que seriam articulações feitas por Marcelo para tentar viabilizar a obtenção de recursos para a saúde em municípios onde o IBDS tentava emplacar contratos superfaturados para locação de ambulâncias. Não se confirmou, porém, se eles chegaram a obter êxito em todas as investidas.

No início dessa semana, o delegado da Polícia Federal, Felipe Baeta, disse que um ex-promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais é apontado como lobista e um dos principais beneficiários do esquema criminoso que teria provocado rombo de ao menos R$ 27,5 milhões aos cofres de três prefeituras mineiras durante a pandemia. Citado 270 vezes no relatório final da Operação Entre Amigos II, Gilmar de Assis é suspeito de ter usado sua influência como ex-coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde) para viabilizar, junto a administrações municipais, a contratação de uma organização social de fachada, o IDBS, que tinha como único objetivo desviar recursos públicos. As investigações indicam que o suspeito teria lucrado cerca de R$ 5,5 milhões com a participação nas fraudes.

O delegado Felipe Baeta, responsável pelo caso, afirma “não restar nenhuma dúvida da participação de Gilmar de Assis no esquema”, fato que resultou no indiciamento do ex-promotor pelos crimes de organização criminosa, peculato (desvio de recursos públicos) e Embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram


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