Jair Bolsonaro aumenta crise institucional e a democracia brasileira vive o momento mais delicado de sua história

O presidente Jair Bolsonaro disparou do próprio celular, pelo WhatsApp, um vídeo com uma convocação para as manifestações de 15 de março, organizadas por movimentos de extrema direita para defender o governo e protestar contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). A gravação, em tom dramático, mostra a facada que Bolsonaro recebeu em Juiz de Fora (MG) para dizer que ele “quase morreu” para defender país e, agora, precisa que as pessoas vão às ruas para defendê-lo. O vídeo provocou o acirramento da crise institucional que o país vive e analistas afirmam que esse é o momento mais delicado vivido pela democracia brasileira.

O vídeo publicado por Bolsonaro, revelado com exclusividade pela jornalista Vera Magalhães, do jornal O Estado de S. Paulo, tem um minuto e 40 segundos e usa o Hino Nacional Brasileiro, tocado no saxofone, como trilha sonora. O post teve uma grande repercussão nas redes sociais. Na primeira hora, no Twitter, teve 1,6 mil reações, 727 comentários e 683 compartilhamentos.

“Ele foi chamado a lutar por nós. Ele comprou a briga por nós. Ele desafiou os poderosos por nós. Ele quase morreu por nós. Ele está enfrentando a esquerda corrupta e sanguinária por nós. Ele é a nossa única esperança de dias cada vez melhores. Ele precisa de nosso apoio nas ruas. Dia 15.3 vamos mostrar a força da família brasileira”, diz um trecho da legenda do vídeo.

“Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil. Somos sim capazes, e temos um presidente trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível. Dia 15/03, todos nas ruas apoiando Bolsonaro”, acrescenta a legenda, entremeado por imagens de Bolsonaro sendo esfaqueado, no hospital e depois em aparições públicas.

Questionada sobre o vídeo, a assessoria do Palácio do Planalto se limitou a dizer que “não comentará a publicação”.

REAÇÕES

O ato do presidente Jair Bolsonaro de divulgar um vídeo convocando para manifestações no dia 15 de março (ato em defesa do governo federal que faz ataques ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal) foi repudiado nessa quarta-feira de cinzas (26) por membros do Poder Judiciário e do Legislativo. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM), divulgou nota afirmando que “criar tensão institucional não ajuda o país” e o ministro Celso de Mello considerou uma “gravíssima conclamação que revela a face sombria de um presidente da República”.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli avaliou que o país não pode viver em clima permanente de disputa. Por meio de suas redes sociais, Bolsonaro afirmou que usa o aplicativo para trocar mensagens pessoais e que “qualquer ilações fora do contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”.

Na terça-feira, o presidente compartilhou por meio do WhatsApp para amigos um vídeo que convoca a população a ir às ruas no mês que vem defender o seu governo. Apesar de o vídeo não citar o Congresso Nacional, grupos apoiadores que divulgam o ato usam críticas a lideranças parlamentares que estariam “chantageando” o Palácio do Planalto em troca de apoio aos projetos defendidos pelo governo. O ex-deputado federal Alberto Braga, próximo de Bolsonaro, confirmou que o presidente enviou o vídeo, mas disse que não viu intenção de afrontar o Parlamento.

No mesmo dia houve reação por parte dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nessa quarta-feira de cinzas (26) foi a vez do presidente da Câmara dos Deputados cobrar exemplo das autoridades do país. Sem citar Bolsonaro, Maia usou suas redes sociais para comentar o episódio. “Criar tensão institucional não ajuda o país a evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir. Só a democracia é capaz de absorver sem violência as diferenças da sociedade e unir a nação pelo diálogo”, escreveu o presidente da Câmara.

Ministros do STF também se manifestaram sobre o compartilhamento feito por Bolsonaro. O ministro Celso de Mello, o mais antigo do tribunal, foi o que se posicionou de forma mais dura. Ele considerou o episódio gravíssimo e afirmou que o presidente da República, “embora possa muito, não pode tudo”. “Essa gravíssima conclamação, se confirmada, revela a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce”,

O ministro Gilmar Mendes pediu respeito pelas instituições e lembrou que as autoridades devem honrar as instituições que representam. “A Constituição de 1988 garantiu o nosso maior período de estabilidade democrática. A harmonia e o respeito mútuo entre os poderes são pilares do Estado de direito, independentemente dos governantes de hoje ou de amanhã. Nossas instituições devem ser honradas por aqueles aos quais incumbe guardá-las”, postou o magistrado em suas redes sociais.

No final da tarde dessa quarta-feira de cinzas (26), o presidente o STF, ministro Dias Toffoli, divulgou nota citando que não há democracia sem um Legislativo atuante e um Judiciário independente. “Sociedades livres e desenvolvidas nunca prescindiram de instituições sólidas para manter a sua integridade. Não existe democracia sem um parlamento atuante, um Judiciário independente e um Executivo já legitimado pelo voto. O Brasil não pode conviver com um clima de disputa permanente”, afirmou Toffoli. Assim como os outros ministros, o presidente do tribunal não citou Bolsonaro em sua nota.

 “TUMULTUAR A REPÚBLICA”

Em meio às críticas de representantes dos outros poderes, o presidente usou suas redes sociais para criticar as interpretações sobre ele ter compartilhado o vídeo de apoio aos atos do dia 15 de março. Segundo Bolsonaro, foram “tentativas rasteiras de tumultuar a República” que foram retiradas de contexto. Lideranças do governo negaram que houve algum tipo de afronta à democracia e aliados foram orientados a não incentivar o protesto.

“Tenho 35 milhões de seguidores em minhas mídias sociais (Facebook, Instagram, Youtube e Twitter), onde mantenho intensa agenda de notícias não divulgadas por parte da imprensa tradicional. Já no Whats App tenho algumas poucas dezenas de amigos onde, de forma reservada, trocamos mensagens de cunho pessoal. Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”, escreveu o presidente.

Responsável pela articulação do governo com o Congresso, o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, minimizou o caso e afirmou que Bolsonaro “não seria maluco” de atacar o Parlamento. Segundo o ministro, o presidente decidiu compartilhar o vídeo com amigos após ficar sensibilizado com as imagens, que incluem cenas de quando tomou uma facada, durante a campanha eleitoral de 2018, em Juiz de Fora.

“O vídeo não fala do Congresso. É um vídeo de apoio ao governo, que ele recebeu, como recebeu muitos outros, e pelo tom emotivo, apenas repassou para uma lista reservada de pessoas. Só no privado. Qual é a culpa dele nisso?”, questionou o general Luiz Eduardo Ramos.

O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, afirmou que não autorizou o uso de sua imagem nos vídeos compartilhados para convocar as pessoas para o protesto, mas defendeu o direito das pessoas de irem às ruas se manifestarem. “Não autorizei o uso de minha imagem por ninguém, mas protestos fazem parte da democracia, que não precisa de pescadores de águas turvas para defendê-la. O presidente não atacou as instituições, que estão funcionando normalmente”, afirmou Mourão.

Fonte: Estadão Conteúdo