Em meio à pressão de prefeitos e hospitais, Arthur Lira trava piso salarial da enfermagem

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Aprovado no último dia 24 pelo Senado, o projeto que cria o piso salarial nacional para profissionais da enfermagem dificilmente será votado este ano na Câmara. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), informou a deputados da Frente Parlamentar da Enfermagem que não pretende pautar a proposta em plenário, mas, sim, levá-la à análise de comissões temáticas. Se Lira não mudar de ideia, o texto começará a ser discutido do zero pelos deputados apenas em 2022.

A decisão é vista por deputados ligados à categoria como uma forma de barrar o projeto, que enfrenta forte resistência de prefeitos, que alegam não ter recursos para bancar os novos valores, de hospitais privados e Santas Casas de Misericórdia. Prefeitos alegam que a medida terá impacto de R$ 9 bilhões sobre os cofres municipais.

Em nota divulgada semana passada, a Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) estimaram que a aprovação do piso nacional para enfermeiros e técnicos de enfermagem pode criar um custo extra com salários e encargos de R$ 18,4 bilhões por ano para o setor de saúde público e privado. Desse total, R$ 12,5 bilhões teriam de ser custeados pela União, pelos estados, municípios e pelos hospitais filantrópicos.

As estimativas levaram em conta os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho de 2019, com base no número de enfermeiros e técnicos atuando no país e o salário médio que recebem.

Prefeitos e representantes de hospitais têm feito corpo a corpo com parlamentares, sobretudo, do Centrão. Os partidos do grupo político de Lira se recusaram a assinar o requerimento para que o texto fosse apreciado em caráter de urgência no plenário. A versão aprovada pelos senadores prevê piso de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem, R$ 2.375 para auxiliares e parteiras.

“Esta semana será decisiva. Estamos discutindo a realização de uma manifestação da categoria”, disse o deputado Célio Studart (PV-CE). Para ele, não há como virar o jogo na Câmara a não ser na base da pressão. “A categoria não tem jornada nem piso definidos. Não tem uma série de direitos. É um trabalho muitas vezes análogo à escravidão porque muitos não têm hora para descanso e recebem valores ínfimos para fazer plantões e jornadas enormes”, explicou o deputado, que preside a Frente Parlamentar da Enfermagem.

Studart participou de duas reuniões com Lira nas duas últimas semanas com outros integrantes da frente e representantes da categoria. No primeiro encontro, ouviu do presidente da Câmara que ele não pautaria um projeto que fixa em 30 horas a jornada semanal dos profissionais de enfermagem. De autoria do deputado Mauro Nazif (PSB-RO), a proposta já passou pelo Senado, mas está engavetada há 20 anos na Câmara.

Nesta semana, Lira declarou que o projeto é polêmico e, por isso, não deve ir a plenário sem passar antes por discussões aprofundadas, por meio de audiências públicas, em comissões. Deputados que defendem o piso nacional para a categoria já apresentaram requerimento de urgência, mas o pedido tem de ser votado pelo plenário, o que depende da vontade de Lira.

O presidente da Câmara tem ignorado as comissões ao pautar proposições controversas quando ele tem interesse na aprovação imediata da proposta em plenário. “Quem conhece o método dele entende o que ele quer quando fala em ouvir as comissões. Temos até o dia 17 para votar esse projeto ainda este ano. Vamos pressionar. Votar a urgência é o mínimo que ele pode fazer”, reclamou Studart. O pedido tem apoio de 258 deputados.

O projeto original, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), previa piso de R$ 7.300 para enfermeiros. O valor foi reduzido mediante acordo costurado pela relatora, Zenaide Maia (Pros-RN), e a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), com a categoria. “Esse valor que o Senado aprovou foi proposto há dez anos pelo deputado Mauro Nazif. O que valia dez salários mínimos naquela época hoje vale apenas 4,5”, observou Studart.

A criação do piso salarial nacional representa uma conquista para os 2,5 milhões de profissionais de enfermagem. Entre eles, quase 2 milhões de técnicos e auxiliares, que estão especialmente vulneráveis aos subsalários, como demonstram os dados da Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, da Fiocruz. Em 2015, quase metade dos profissionais (45%) recebiam salários abaixo de R$ 2 mil. Somente quatro em cada 100 recebiam mais de R$ 5 mil.

“Votar contra enfermeiro hoje é difícil. A pandemia escancarou a importância que esse povo tinha mesmo tendo direitos subtraídos. Quem está vacinando 24 horas em drive-thru não é o medico. São os enfermeiros. Sou médica e tenho respeito muito grande pela equipe de enfermagem”, disse Zenaide Maia ao Congresso em Foco.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o estabelecimento de um piso salarial para a enfermagem é louvável, mas é preciso que a União arque com as diferenças, pois as prefeituras, ressalta ele, não têm condições de dar aumento aos profissionais que atuam na rede municipal. “O Congresso Nacional, de forma irresponsável fiscalmente falando, cria uma despesa para um ente da federação, de forma populista e demagógica. Nós defendemos o piso, mas que seja algo pagável e responsável. Como está, não temos como pagar. Não dá para fazer favor com chapéu alheio”, disse Ziulkoski.

De acordo com ele, a maior parte do impacto dos R$ 8,9 bilhões que a medida causará aos cofres públicos será com o pagamento dos técnicos em enfermagem, que receberão 70% do piso do enfermeiro. “Nesse impacto, não estamos estimando os gastos adicionais como o da insalubridade, que enfermeiros recebem. Os custos serão ainda maiores. O problema maior não será cobrir despesa com os enfermeiros, com os técnicos e auxiliares em enfermagem, que são muito mais numerosos. Nenhum município paga 70% do que ganha um enfermeiro para o técnico nem 50% para o auxiliar”, afirmou o presidente da CNM.

Ziulkoski reclama que os municípios já travam uma batalha para se adequar ao pagamento do piso nacional do magistério e que o Congresso prepara outras medidas que oneram os municípios, mas não apresenta fonte de receita nem obriga a União a assumir as diferenças. A relatora no Senado rejeitou emenda apresentada pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT), que obrigava o governo federal a repor a diferença em relação ao que é gasto hoje com o piso salarial de enfermeiros, técnicos e auxiliares. “Quem vai pagar por isso não será o prefeito, que não será preso por não pagar. Afinal, ele não tem dinheiro. Quem pagará será o cidadão, que verá uma piora no atendimento. Há dez anos o governo federal não aumenta os repasses do SUS”, criticou.

Após a publicação da reportagem, Lira se manifestou por meio de sua assessoria e disse não ter restrição à proposta e não ser o responsável por encaminhar o texto às comissões. “A decisão de enviar o projeto às comissões foi tomada por consenso na reunião de líderes realizada na quinta-feira, portanto, foi uma decisão do Colégio de Líderes. O presidente não tem nenhuma restrição à proposta e, inclusive, considerou a possibilidade de votar ainda este ano durante a reunião. O deputado citado por vocês não participou da reunião em questão.”

Fonte: Congresso em Foco
Foto: Diretoria de Comunicação/PMD

 

 


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