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Quem está envolvido no crime? Como documentos foram falsificados?

A Polícia Civil de Minas concluiu essa semana a investigação que apurou a prática de estelionato e falsidade ideológica por parte de uma mulher de Divinópolis, de 37 anos, suspeita de simular ser portadora de câncer com o objetivo de obter vantagens financeiras.

Segundo a Polícia, a mulher promoveu campanhas de arrecadação por meio de rifas, vaquinhas virtuais, eventos beneficentes e doações espontâneas, alegando estar em estágio avançado de tratamento oncológico. A investigação revelou que familiares, amigos e pessoas de outras localidades, contribuíram com recursos acreditando se tratar de uma causa legítima.

Ao analisar os prontuários e exames médicos, o legista da Polícia Civil atestou a inexistência de qualquer diagnóstico ou tratamento oncológico. Além disso, o inquérito apurou que a mulher teria feito empréstimos bancários em nome do companheiro, sem autorização, e utilizado nomes de terceiros em consórcios informais, sendo o destino dos valores ainda objeto de apuração complementar.

Com base nas provas reunidas, a mulher foi indiciada pelos crimes de estelionato majorado e falsidade ideológica O procedimento foi remetido ao Poder Judiciário para as providências cabíveis.

SEGUNDO CASO EM UM ANO

Esse caso revelado na última terça-feira pela Polícia Civil é o segundo em menos de um ano que ocorre em Divinópolis, envolvendo a falsa existência de um câncer para obter vantagem financeira. O primeiro foi mais grave, uma vez que a extorsão foi contra o Estado. Em junho do ano passado, a Polícia desarticulou um esquema de fraude contra o Estado, que causou um prejuízo de R$ 656 mil aos cofres públicos.

No dia 19 de junho foram presos a assessora judiciária, lotada na Vara de Fazendas Públicas e Autarquias, Bárbara Carrano Marques (28 anos) e o namorado dela, Gustavo Henrique Oliveira (32 anos). No mesmo dia, também foi preso o morador de rua Elton Henrikley da Silva (48 anos). Eles pretendiam aplicar um golpe no Estado de R$ 1.583.040,00, entretanto a ação foi descoberta antes que o golpe se concretizasse integralmente. Na ocasião da prisão, o Estado já havia liberado R$ 656 mil.

Os três envolvidos no caso foram condenados através de sentença expedida no dia 13 de dezembro do ano passado, entretanto, o conteúdo dos depoimentos ainda era mantido em segredo de justiça. Na semana passada, o conteúdo foi revelado.

O GOLPE

O golpe foi aplicado através de uma ação impetrada em nome do morador de rua pelo advogado Eder Luís Barros de Moura, na Vara de Fazendas Públicas e Autarquias em janeiro do ano passado. A ação, com pedido de liminar, pleiteava a aquisição do medicamento Daratumumabe 1.800 mg, cuja ampola é vendida em média a R$ 50,3 mil e é usado no tratamento de pacientes adultos com um tipo de câncer da medula óssea denominado mieloma múltiplo. A ação pleiteava o custeio do medicamento pelo Estado até o fim do tratamento, ao qual, supostamente o morador de rua estava sendo submetido.

Descoberta a fraude, os três foram presos, julgados e condenados em primeira instância. Barbara Carrano ainda enfrenta outra ação na Justiça por improbidade administrativa, já que ainda é servidora do Estado.

COMO FOI O GOLPE

De acordo com decisão judicial, a instrução da petição inicial para a aplicação do golpe, informou falsamente ao Estado, que Elton Henrikley foi diagnosticado como portador de amiloidose sistêmica e necessitava, com urgência, do medicamento. Para isso, foram falsificados documentos públicos e particulares, como relatórios médicos, comprovantes de endereço, carteira de identidade e notas fiscais.

De acordo com a Justiça, Barbara Carrano e Gustavo Henrique aliciaram o morador de rua, que permitiu a abertura de uma conta bancária em seu nome para receber o dinheiro do Estado par a suposta compra do medicamento.

O QUE DISSERAM OS ACUSADOS

Gustavo Henrique de Oliveira admitiu os delitos ao ser interrogado extrajudicialmente pela promotoria e também em juízo. Disse que soube da existência da doença amiloidose sistêmica, usada para extorquir o Estado, em uma série de televisão e, através de muita pesquisa, se inteirou sobre os trâmites processuais e contratou o advogado Eder Luís Barros de Moura para ajuizar a ação.

Gustavo Henrique disse que procurou o morador de rua para ser o “laranja” na ação. Disse que sua escolha por Elton Henrikley se deveu ao seu baixo grau de instrução, além do fato de ser uma pessoa em situação de rua.

Ele declarou, ainda, que através da sua companheira Bárbara, teve acesso à plataforma digital de processos eletrônicos (PJE), onde pesquisou cerca de cem processos e usou as informações de um deles como modelo para a fraude, o qual lhe chamou a atenção em razão do elevado valor do medicamento. Gustavo Henrique tentou preservar a namorada e disse que agiu sem o conhecimento de Bárbara.

Segundo Gustavo Henrique, com a primeira parte do dinheiro liberada, ele adquiriu três veículos e juntamente com Bárbara, realizou “cerca de 10 viagens”. Revelou, ainda que pagou de R$15 mil ao morador de rua, trocou o celular, pagou contas e quitou dívidas, dentre elas, uma em nome de Bárbara no valor de R$ 8 mil. Contou, também, que comprou um terreno no valor de R$ 40 mil, cujo pagamento foi efetuado via pix. Disse ainda que controlava a conta bancária aberta em nome de Elton, uma vez que o cartão bancário ficava sob sua posse.

Gustavo Henrique revelou que seu relacionamento com Bárbara era abusivo. Disse que a relação entre eles era turbulenta, admitiu que era ciumento e possessivo e confessou que agrediu a companheira fisicamente mais de uma vez.

Acrescentou que o processo teve tramitação rápida em razão da interferência de Bárbara Carrano, que tinha essa possibilidade no cargo de assessora judiciária.

BARBARA CARRANO

Em seu depoimento, Bárbara Carrano negou que tenha participado do crime. Disse que desconhecia o fato de que seu companheiro teria ajuizado a ação perante a vara judicial em que atuava como assessora do juiz. Disse que teve ciência sobre os delitos somente após o deferimento da medida liminar, aproximadamente 15 dias após o início da ação. Declarou que mantinha com Gustavo um relacionamento abusivo, uma vez que era constantemente agredida e ameaçada por ele.

Segundo Bárbara, ela agiu por medo do companheiro. Disse que ele era uma pessoa ciumenta e controladora e que agiu em razão da personalidade opressora dele e por temer por sua integridade. Disse ainda que não denunciou Gustavo por causa do sentimento doentio que nutria por ele. Ela relatou que não usufruiu do dinheiro, ficando apenas com R$ 30 mil, usados para quitar impostos dos veículos. Disse que Gustavo não permitia que ela tivesse acesso ao dinheiro, porque tinha receio que ela fugisse. Acrescentou que foi gananciosa e tentou fazer com que o golpe desse certo e, como decidiu não denunciar o companheiro, quis a sua parte do dinheiro.

CONFIANÇA DO JUIZ

Bárbara Carrano disse ainda que na fase judicial do processo, como assessora de juiz, possuía a confiança do magistrado que atuava na Vara da Fazenda Pública, na época o juiz Marlúcio Teixeira. Disse que Gustavo passava por dificuldades financeiras e lhe propôs praticarem o golpe, com o nome dele como autor, porém, não concordou. Declarou que percebeu uma movimentação dele no sentido de mexer com notas fiscais e conversar muito ao telefone, mas, mesmo assim, não soube quando ele interpôs a ação, nem que ele envolveu o seu colega de faculdade, o advogado Eder Luís Barros, contratado para assinar a ação em favor do moradora de rua.

MORADOR DE RUA

Elton Henrikley da Silva disse em depoimento que não tinha ciência sobre a fraude armada por Gustavo Henrique. Disse que ele ofereceu R$ 15 mil para abrir uma conta em seu nome para ele receber um valor de uma herança. Falou que assinou os documentos solicitados por Gustavo sem lê-los e, quando viu o papel com timbre do Tribunal de Justiça, acreditou tratar-se realmente de herança.

O ADVOGADO

Ouvido como testemunha, o advogado Eder Lúis Barros disse que foi contratado por “Guilherme”, para ajuizar uma ação contra o Estado de Minas Gerais pleiteando o medicamento Daratumumabe em favor de Elton Henrikley da Silva, visando o tratamento deste contra o câncer. Disse que Gustavo Henrique se apresentou como “Guilherme” quando o contratou.

Disse ainda que “Guilherme” lhe disse que considerava o morador de rua como irmão e que ele não obteve êxito com o tratamento médico que até então foi submetido, necessitando de um remédio de alto custo, cuja ampola custava cerca de R$ 38 mil. Declarou que “Guilherme” lhe passou os documentos de Elton pessoalmente.

A SENTENÇA

A sentença foi assinada pela Juiza substituta da 2ª Vara Criminal de Divinópolis, Marcilene da Conceição Miranda em dezembro do ano passado.

A juiza concluiu que Bárbara Carrano Marques praticou diversos atos ilícitos visando a liberação das verbas públicas, que posteriormente foram levantados por ela e pelos codenunciados, situação apta a configurar a obtenção de vantagem indevida. “A conduta da ré possibilitou o deferimento do pedido e a liberação dos valores, sendo que Bárbara detinha total confiança do Juiz competente para a análise do processo”, diz a sentença.

Ainda na decisão, a juíza diz que a atuação de Bárbara e as informações privilegiadas que detinha em razão do exercício do cargo de assessora “foram cruciais para a liberação da quantia de R$ 428.740,00 em janeiro de 2024 e, posteriormente, de R$ 227.392,80 em abril de 2024”.

Ainda segundo a juiza “restou evidente que Bárbara agiu em concurso de pessoas com os outros acusados Gustavo e Éder Luís Barros [o advogado], pois, além dos requisitos necessários para a sua caracterização, as provas foram unânimes ao indicar que todos estiveram juntos na empreitada criminosa”.

Barbara Carrano foi condenada a 35 anos e três meses de prisão inicialmente em regime fechado, mais 284 dias/multa. Cada dia multa corresponde a R$ 50,60, 1/30 do salário mínimo. Gustavo Henrique foi condenado a 42 anos de prisão, inicialmente em regime fechado, e 486 dias multa. O morador de rua, Elton Henrikley da Silva foi condenado a 19 anos e quatro meses de prisão, também em regime fechado, mais 166 dias multa.

A sentença possui 171 páginas e pode ser lida na íntegra aqui.

Reportagem: Jotha Lee
Sintram Comunicação


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