“Isso está me cheirando a preconceito e xenofobia”, dispara vereador do PT
O prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (Novo), decidiu partir para o ataque sobre o crescente aumento da população de moradores de rua na cidade. A denúncia do prefeito ocorre após reclamações de moradores da região da Praça do Santuário, onde se aglomeram pessoas em situação de rua, que tomam conta das calçadas vizinhas ao santuário e da própria praça.
Essa questão foi recentemente discutida em uma reunião da Acasp (Associação Comunitária para Assuntos de Segurança Pública). No último dia 9 de julho, a Associação se reuniu e os “transtornos” gerados pela população de rua foi um dos temas que ocupou a maior parte dos debates. A Associação cobrou atitudes do poder público para solucionar o problema.
No dia 12 de agosto, a Câmara Municipal se reuniu para discutir o assunto do ponto de vista da Acasp. No encontro, os representantes do Santuário de Santo Antônio disseram que diversas ações sociais já foram propostas para as pessoas em situação de rua, para que sejam acolhidos em casas de recuperação.
“O que acontece é que eles, em sua maioria, se negam a sair das ruas, onde recebem ajuda da população com esmolas, móveis, colchões e comida. Tem ocorrido situações, que tem afastado os fiéis da igreja, principalmente nos horários noturnos, quando levam as crianças para o catecismos, grupos de oração ou encontros paroquiais. Além das moradias provisórias nas portas laterais da igreja, enfrentamos também outros problemas como o acúmulo de lixo, proliferação de ratos, episódios de agressão com cidadãos, além da presença de cenas de sexo, ao longo do dia, que constrangem quem passa pela calçada”, disse um dos representantes do Santuário, segundo informa a Assessoria de Imprensa do Legislativo.
ABORDAGEM DESUMANA
A situação dos moradores de rua ganhou holofotes após pronunciamento do vereador Matheus Dias (Avante) em sessão da Câmara na semana passada. Dias denunciou a Prefeitura de Pedra do Indaiá, que estaria enviando moradores de rua para Divinópolis. Matheus Dias é missionário da Missão Maria de Nazaré, instituição religiosa que recebe recursos públicos, inclusive para acolhimento de moradores de rua.
Na noite desta quarta-feira (3), após uma ação do serviço social da Prefeitura na Praça do Santuário, o prefeito Gleidson Azevedo, acompanhado da secretária de Desenvolvimento Social, Juliana Coelho, e dos vereadores Matheus Dias e Wellington Well (PP), acusou vários municípios de despachar moradores de rua para Divinópolis. As acusações foram feitas em um vídeo postado nas redes sociais e o prefeito classificou a situação como “grave”.
Gleidson Azevedo citou nominalmente os municípios de Nova Serrana, Pará de Minas, Pedra do Indaiá, Lagoa da Prata, Luz e Carmo do Cajuru. “Cajuru tá colocando [moradores de rua] dentro do ônibus e mandando pra cá. Prefeito, por favor, olhe isso com a secretária de vocês”, disparou Gleidson Azevedo.
Já a secretária Juliana Coelho declarou: “A gente precisa dizer o que é morador de rua e o que é usuário de drogas. Há pessoas que foram presas por tráfico de drogas e em menos de 24 horas já estão nas ruas. A gente precisa saber até que ponto a gente tá mantendo o crime nas ruas”, afirmou Juliano Coelho.
O prefeito acrescentou que é necessário combater bandidos. “Tem situações que são moradores de rua, tem situação que é bandido. E bandido você tem que combater. Então fazer o quê, população? A Justiça não age, porque prendeu, já soltou. Vou deixar bem claro, a Prefeitura vai ajudar os moradores [de rua] de Divinópolis. Aqueles que vierem de fora, ‘tamo junto não’. Beleza?”, concluiu Gleidson Azevedo.
TERCEIRIZAÇÃO
A abordagem que se dá atualmente ao grave problema da população em situação de rua também deveria passar por privilégios concedidos a entidades religiosas, supostamente sem fins lucrativos, que recebem verbas públicas para esse fim e verifidar onde e como esses recursos estão sendo aplicados. O vereador Vitor Costa (PT) reagiu ao posicionamento do prefeito de não mais socorrer a população de rua de outras cidades. O vereador foi didático ao explicar que, assim como o SUS, o SUAS (Sistema Único de Assistência Social) também é nacional.
“Quem fala uma coisa dessa, não deveria governar Divinópolis. Nossa UPA e nosso hospital atendem pessoas de várias cidades da região. Da mesma forma, quando alguém de Divinópolis precisa de atendimento em Luz, Nova Serrana, Santo Antônio do Monte ou qualquer outro município, também é acolhido. Isso porque o SUS e o SUAS são nacionais. Não existe essa divisão de fronteira para negar atendimento a quem mais precisa. É direito, não favor”, declarou o vereador.
“Se de fato nosso município está arcando com custos de outras cidades, é hora de discutir o rateio. Não é hora de negar atendimento como o prefeito disse. Isso está me cheirando a preconceito, a xenofobia”, disparou o vereador. “E o pior é que o vereador [Matheus Dias] que se diz missionário, que fica denunciando a vinda de pessoas em situação de rua de outros municípios para Divinópolis, fala abertamente que ex-usuário de drogas. Ou seja, no passado ele deu trabalho para as forças de segurança e agora fica apontando o dedo para quem tá no vício”, acrescentou.
Vitor Costa disse ainda que concorda com o prefeito quando ele afirma que nem todos são pessoas em situação de rua. “Se o prefeito quer combater a criminalidade, eu tenho uma sugestão. Que tal o prefeito criar a Guarda Civil Municipal, que foi uma de suas promessas de campanha? Uma guarda nas ruas ia ajudar muito nossa população”.
TERCEIRIZAÇÃO
Mais grave do que a “denúncia” feita pelo prefeito e seus aliados, é a informação divulgada pelo vereador Vitor Costa. “Hoje, o nosso serviço de atendimento à população de rua, é terceirizado. O município paga e quem executa são instituições religiosas. Já recebi relatos de que pessoas em situação de rua ficaram até três meses impedidas, de balão, sem poder entrar na casa de acolhimento. Isso vai contra todas as orientações do Plano Nacional, que é o Ruas Visíveis, do Ministério dos Direitos Humanos. Sou contra as terceirizações. Defendo que o serviço deve ser prestado diretamente pela Prefeitura”, afirmou o vereador.
“Vale lembrar que a gente está falando de direitos, não de caridade. A Secretaria de Desenvolvimento Social de Divinópolis está ficando cada vez mais aparelhada. Tudo está sendo terceirizado. A cada dia que passa, a Missão Maria de Nazaré [do vereador Matheus Dias] está assumindo mais serviços e a Prefeitura paga para a instituição administrar o que deveria ser público. Isso vira ramo”, destacou Vitor Costa.
Sobre as denúncias do prefeito e do vereador Matheus Dias de que cidades da região estão enviando moradores de rua para Divinópolis, Vitor Costa pediu mais humanidade. “Estamos falando de pessoas”, declarou.
A Prefeitura de Divinópolis não tem um levantamento recente sobre o número de pessoas em situação de rua na cidade. Nos últimos nove anos, apenas dois levantamentos foram realizados. Em 2016, a Secretaria de Desenvolvimento Social informou que a população de moradores de rua na cidade era composta por 427 pessoas. De acordo com a pasta, no ano passado, esse número havia caído para 374 pessoas.
CARMO DO CAJURU
A Prefeitura de Carmo do Cajuru, citada pelo prefeito, enviou nota ao Portal do Sintram sobre as acusações feitas pelo prefeito. Veja a nota na íntegra:
“A Prefeitura de Carmo do Cajuru, por meio da Secretaria Municipal de Promoção Social e Defesa Civil, em atenção a questionamento formulado pelo Portal do Sintram, esclarece que todas as pessoas em situação de rua que chegam ao município são formalmente abordadas e acolhidas pela equipe técnica da referida Secretaria, conforme protocolos de atendimento da Política Nacional de Assistência Social.
No que se refere à declaração do prefeito de Divinópolis, no sentido de que Carmo do Cajuru estaria supostamente encaminhando pessoas em situação de rua em ônibus, cumpre destacar que a Constituição Federal assegura a todo cidadão o direito fundamental de ir e vir (art. 5º, XV). Nesse contexto, quando o próprio indivíduo manifesta expressamente o desejo de se deslocar até outro município, a Assistência Social providencia a concessão da chamada “passagem social”, operacionalizada por meio de cartão eletrônico, garantindo total transparência do ato administrativo e afastando a entrega de valores em espécie.
Por fim, a Administração Municipal reitera que se trata de atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade social, reafirmando o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), sendo absolutamente imprópria qualquer interpretação que reduza essas pessoas à condição de objetos passíveis de depósito ou transferência como mera mercadoria”.
PEDRA DO INDAIÁ
Em nota publicada em rede social, o prefeito de Pedra do Indaiá, Mateus Santos (PSD), rebateu as acusações feitas pelo vereador Matheus Dias. Veja íntegra da nota do prefeito de Pedra do Indaiá:
“A administração municipal de Pedra do Indaiá repudia veementemente as falas do Vereador de Divinópolis, Matheus Silva. A administração esclarece que as falas do vereador são errôneas e exige retratação. Pedra do Indaiá sempre respeitou Divinópolis e sempre foi parceira daquele município.
A administração municipal de Pedra Do Indaiá tem responsabilidade e respeito com os migrantes, as pessoas em situação de rua e com toda a sociedade. Portanto, não aceitamos ser acusados de atos impróprios sem tê-los cometido.
Estamos sempre a disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sem exposição desnecessária!
Política se faz com responsabilidade, respeito e entendimento. Politicagem se faz com acusações infundadas a fim de receber holofotes”.
As demais prefeituras citadas pelo prefeito Gleidson Azevedo ainda não se manifestaram. O Portal do Sintram perguntou á Prefeitura de Divinópolis se serão adotadas medidas em relação às cidades citadas pelo prefeito, mas não obteve retorno.
Reportagem: Jotha Lee
Sintram Comunicação