Deputados e representantes de dezenas de municípios rechaçaram, mais uma vez, a implantação da tarifa única pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), que, desde agosto, cobra percentuais iguais da conta de água tanto de usuários que possuem tratamento de esgoto quanto daqueles que contam só com a coleta dos resíduos. Os protestos foram a tônica da audiência pública, realizada na semana passada pela comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Todos os presentes pediram a revogação da Portaria 154/21, da Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG), que autorizou as novas tarifas.
Desde 2017, a Copasa aplicava três tipos de tarifas: uma para quem conta apenas com o serviço de água; uma para aqueles que são atendidos também por coleta de esgoto; e outra para os que têm acesso ainda ao tratamento do resíduo.
O valor praticado também era diferenciado para a cobrança do esgotamento sanitário. Para quem contava apenas com a coleta, a empresa aplicava 25% do valor da água para pagar pelo serviço, enquanto aqueles que tinham o serviço completo de coleta e tratamento pagavam 100% do valor da tarifa de água.
DIVINÓPOLIS
A nova portaria do Arsae estipulou a tarifa única de 74% sobre o valor da água para os dois tipos de usuários, mesmo para aqueles que não possuem o tratamento de esgoto. É o caso de Divinópolis, onde a Copasa está atrasada com o contrato das obras de coleta e tratamento do esgoto e mais de 50% da população, que não tem acesso ao serviço, paga a mesma tarifa cobrada de uma parcela dos moradores, que já contam com o serviço completo.
De acordo com o coordenador Técnico de Regulação e Fiscalização Econômico-Financeira da Arsae-MG, Raphael Castanheira Brandão, a recomposição da tarifa representou uma redução média de 1,52% para os 53,57% dos clientes da Copasa que contam com o serviço total de saneamento. No entanto, ele admitiu que a mudança de cobrança onera mais os que contam apenas com a coleta, que de 25% passaram a pagar 74% sobre o valor da água pelo serviço que não é ofertado. Alguns depoimentos na reunião apontam para aumentos superiores a 50%, principalmente para os usuários de menor renda e moradores de locais onde o serviço é precário.
SEM REPRESENTANTE
A Copasa, mais uma vez desdenhou dos mineiros e não enviou representantes para participar da reunião. A Companhia encaminhou um ofício se posicionando contra as novas tarifas, afirmando que interpôs recurso administrativo contra a unificação de preços, mas que ele foi indeferido pela diretoria colegiada da Arsae. O coordenador da Arsae contestou o posicionamento, garantindo que a Copasa defendeu a unificação, mas com percentuais menores: 60% para quem não tem tratamento.
ABUSIVO E INJUSTO
A inversão da lógica de cobrança foi duramente criticada. Os três parlamentares que solicitaram a audiência foram unânimes em considerar o aumento abusivo e injusto, além de imoral, por ser aplicado em plena pandemia. Também contestaram o argumento do técnico da agência de que a revisão teve por objetivo garantir o equilíbrio econômico e financeiro da tarifa.
“Equilíbrio de quem?”, indagou o deputado Elismar Prado (Pros), ao pontuar que só os interesses dos acionistas estão sendo considerados. “Só se fala em mercado. Estamos tratando de um serviço essencial à vida, que é o fornecimento de água e esgotamento sanitário. Não é mera mercadoria para especulação financeira em bolsa”, protestou. Segundo o deputado, em 2020, a Copasa cumpriu apenas 30% do programa de investimentos e, no mesmo período, pagou R$ 820 milhões de dividendos extraordinários aos acionistas.
A deputada Ione Pinheiro (DEM) afirmou que a empresa tem projeção de lucrar R$ 1 bilhão até o final deste ano e que mantém 25% de seu capital no exterior. Ela ainda sugeriu a criação de uma comissão na Assembleia para fiscalizar o trabalho da agência reguladora.
O deputado por Divinópolis, Cleitinho Azevedo (Cidadania) também questionou a cobrança da concessionária por um serviço ainda não prestado. “Isso se chama roubo. A Copasa fala que não tem nada a ver com isso; então é só abrir mão”, provocou.
DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO
Sem exceção, os participantes da audiência consideram os novos valores abusivos e a nova fórmula de cobrança ilegal. Muitos municípios ajuizaram ações para suspender a cobrança e alguns já estão conseguindo liminares favoráveis.
Em Divinópolis, a Prefeitura impetrou Ação Civil Pública (ACP) no dia 25 de agosto contra a Copasa e a Arsae contra o reajuste praticado nas contas de água. A ação tramita na Vara de Fazendas Públicas e Autarquias e ainda não houve uma decisão.
Em São João Nepomuceno, Zona da Mata, a Prefeitura já conseguiu a liminar e a tarifa voltou a ser cobrada pelos parâmetros anteriores. O procurador-geral do município, Michel Alves de Souza, explicou os argumentos da ação que apontam para a ilegalidade da tarifa única.
Ele argumentou que a agência está desrespeitando o Código de Defesa do Consumidor, que veda a cobrança por serviços que não são realizados, e duas normas estaduais – as Leis 12.990, de 1998, e 18.309, de 2009 -, que, segundo ele, também não permitem a cobrança pelo serviço que não estiver sendo oferecido. Em sua opinião, a mudança na fórmula de cobrança só poderia ser implantada após mudança nas leis avalizadas pela Assembleia.
O procurador considera que, além de inverter a lógica da proteção ao consumidor, a resolução da Arsae desestimula a universalização do tratamento de esgoto. “Se já recebe por um serviço que não oferece, por que vai querer fazer?”, questionou. Essa também foi a análise de muitos participantes.
Ministério Público – O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, Daniel de Sá Rodrigues, informou que o Ministério Público está acompanhando a discussão, mas explicou que uma ação civil pública foi ajuizada pela Defensoria Pública, o que impede mesma atitude do órgão.
A ação, no entanto, não foi acatada, com base em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que abriu a possibilidade de reformulação da tarifa pela concessionária.
REPRESENTANTES DOS MUNICÍPIOS
Vereadores e prefeitos reclamaram que a Copasa, além de aumentar as tarifas, também não vem cumprindo os contratos estabelecidos com os municípios. O prefeito de Mário Campos (Região Central), Anderson Ferreira Alves, reclamou que a concessionária e a agência reguladora não conseguem resolver os problemas da cidade, que sofre com constantes suspensões do fornecimento de água.
Instabilidade na prestação do serviço, atraso em obras, descumprimento de contrato, queixas sobre estações de tratamento de esgoto abandonadas e resíduos escorrendo a céu aberto foram outras reclamações relatadas por diversos representantes municipais.
O prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (PSC) participou da audiência e relatou os mesmos problemas verificados em outras cidades, especialmente o desabastecimento, que diariamente atinge a pelo menos uma região da cidade.
Reportagem: Jotha Lee
Com informações da ALMG
Fotos: Ricardo Barbosa/ALMG