Organização Social habilitada pelo governo Zema na terceirização de escolas da rede estadual responde a 210 processos

Compartilhe essa reportagem:

A deputada Beatriz Cerqueira fez a denúncia durante reunião da Comissão de Educação da ALMG (Foto: William Dias/ALMG)

A presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputada Beatriz Cerqueira (PT), denunciou que o perfil das organizações sociais habilitadas pelo governo Romeu Zema para terceirização de escolas da rede estadual mostra os vícios do Projeto Somar. Lançado pelo governo do Estado, o Projeto Somar tem como objetivo entregar incialmente 80 escolas da rede pública estadual para administração de organizações sociais.

 “Uma dessas Organizações Sociais, que vai contratar professores, tem 210 processos no Tribunal Regional do Trabalho”, denunciou Beatriz Cerqueira. A deputada citou outras organizações credenciadas que também respondem a processos na Justiça do Trabalho, inclusive uma responsável pela gestão das escolas incluídas no projeto. “Acho que é uma regra (para habilitação) responder na Justiça do Trabalho”, ironizou. Afirmou ainda que relatório de auditoria do TCE demonstrou que a responsável pelas três escolas do projeto não prestou contas sobre a aplicação dos recursos.

De acordo com a deputada, outra associação selecionada atua na área de televisão aberta e outra tem como especialidade a gestão de usina fotovoltaica e iluminação pública. “Se não fosse a decisão liminar do Tribunal de Contas, poderíamos estar conversando com escolas sob a gestão de uma Organização Social especializada em iluminação pública”, alertou. A liminar citada pela deputada foi concedida há 15 dias pelo Tribunal de Constas do Estado (TCE) suspendendo a continuidade do Projeto Somar.

TRANSPARÊNCIA

A promotora de Justiça Ana Carolina Zambom, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Educação do Ministério Público do Estado, disse que Minas foi o único estado que optou por contratos com organizações sociais, em vez de parcerias público-privadas.

Segundo ela, Minas também foi a única a transferir a terceiros a gestão de serviços pedagógicos, e não apenas atividades administrativas ou de serviços gerais. A promotora disse ainda que a transparência não pode ser só formal, um caminho tão longo e difícil que o cidadão não consiga acessar. “É incontroverso: falta transparência e consulta à comunidade escolar”, concluiu a promotora.

A analista de Controle Externo do TCE, Rachel Carvalho, avaliou que falta transparência ao projeto Somar, na forma como vem sendo conduzido pelo governo. “É preciso abrir esses indicadores e dar transparência a eles. O TCE terá oportunidade de analisar as três escolas. Precisamos saber para onde foram os professores e os alunos da EJA”, questionou.

Raquel Carvalho disse que não poderia comentar sobre as representações em andamento no Tribunal, mas confirmou que um dos credenciamentos realizados pelo governo foi suspenso.

DIEESE

Dados do Governo Zema sobre as três escolas que participam do projeto Somar mostram que, em muitos quesitos, elas estão piores que a média das escolas estaduais. É o que apontou Diego Rossi, coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para corroborar sua afirmação, o economista utilizou dados, como a taxa de aproveitamento – que extraiu com dificuldades de sites do próprio governo – do qual cobrou transparência.

Essa taxa indica o percentual de estudantes que tiveram aproveitamento igual ou superior a 65% em todos os componentes curriculares do ano de ensino. Segundo Rossi, das três escolas incluídas no projeto Somar, duas estão com taxas de aproveitamento piores que a média das escolas do estado.

As escolas estaduais Maria Andrade Resende, na Capital, e Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará (Região Metropolitana de Belo Horizonte), obtiveram, respectivamente, os percentuais de 73% e 75% na avaliação referente ao primeiro semente de 2024. No período, como a média estadual foi de 78%, só conseguiu nota melhor a escola Francisco Menezes Filho, em Belo Horizonte, que ficou com 83%.

O técnico do Dieese também destacou que 38% dos estudantes não estão gostando da gestão privada em suas escolas. Entre 2022 e 2024, segundo ele, aumentou a avaliação negativa por parte desse segmento. Já 32% da comunidade escolar, reprova a entrega das escolas para organizações sociais. Diego Rossi ressalvou ainda que só participaram da avaliação das escolas do Somar estudantes com boas notas. “Se os bons alunos já avaliaram negativamente, imagina aqueles com notas piores”, avaliou.

Sobre a situação das mais de 3.400 escolas estaduais, Diego Rossi observou que os dados oficiais mostram que, entre 2022 e 2023, 60% delas obtiveram aumento da taxa de aprovação. Outro dado positivo foi que a taxa de abandono foi reduzida em 61% das escolas.

O economista do Dieese revelou ainda que as escolas estaduais administradas pelo Estado obtiveram bons resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); Diego Rossi disse que 182 escolas ficaram com esse índice acima da média nacional de 2023, que foi de 5.1. E que quase 65% dos estabelecimentos receberam notas entre 4 e 5.“Precisamos aprender com as escolas que estão dando certo”, analisou ele, citando exemplos na Capital e em Governador Valadares.

EXCLUSÃO DO EJA

A coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas (Fepemg), Analise de Jesus da Silva, denunciou que nas três escolas onde o Projeto Somar foi implantado até agora, foram fechadas todas as turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Também pedagoga e historiadora, com pós-doutorado na Universidade do Minho (Portugal), recordou que tese de mestrada orientada por ela mostrou esse abandono de alunos durante o ano letivo.

“As pessoas dessas três escolas foram direcionadas para outras, tendo que atravessar outras comunidades, muitas das vezes rivais”, criticou. Os dados demonstram o prejuízo na vida desses alunos: “de 339 matriculadas na EJA em 2021, apenas 58 fizeram matrícula em 2022 e apenas 13 em 2023; essas pessoas, entre as quais sete com deficiência, ficaram sem estudar, devido à privatização imposta pelo governo”. Para evitar novos problemas, Analise Silva entregou à Beatriz Cerqueira a proposta de um projeto de lei impedindo que o governo corte turmas da EJA nas escolas do projeto Somar.

PRIVATIZAÇÃO INDIRETA

Já a professora Neide Santos, da Faculdade de Educação da Uemg, afirmou que o projeto Somar caminha no sentido da privatização indireta, com a aplicação de princípios empresariais na educação pública. Doutora em Educação, com artigo publicado sobre o tema, ela questionou porque o governo não optou por melhorar a escola pública, injetando recursos, em vez de adotar projetos de privatização.

Sobre o trabalho dos docentes, disse que o Somar modifica sua forma de contratação, que passa a ser pela CLT, e não mais no regime estatutário. “A tendência é que o governo passe a responsabilizar o professor e o gestor da escola pelo resultado escolar, mas sem oferecer as condições de trabalho adequadas”, firmou Neide Santos.

Marcelle Dias, diretora do Sind-UTE-MG, lembrou que a proposta de privatizar a educação começou com os chamados Carters schools “uma ideia de transformar a educação num grande balcão de negócios”. “Pagar o piso, valorizar os trabalhadores da educação; pra melhorar, não precisa privatizar”., garantiu.

Com informações da ALMG


Compartilhe essa reportagem: