Em Divinópolis, MP transfere responsabilidade de apurar denúncia-crime contra Gleidson Azevedo pelo mesmo motivo para Polícia Federal
Duas situações idênticas, com decisões conflitantes do Ministério Público de Minas Gerais. Em Divinópolis, a então candidata a prefeita Laiz Soares (PSD) denunciou o então candidato à reeleição, Gleidson Azevedo (Novo|) por crime de identidade de gênero após ser chamada de “vagabunda” pelo adversário em uma rede social. A conduta enquadra-se no Código Eleitoral, como violência política contra a mulher, após alteração promovida pela Lei nº 14.192/2021 e prevê pena de reclusão de um a quatro anos, além de multa.
Em Medina, cidade de 20.492 habitantes, localizada no Vale do Jequitinhonha, o vereador reeleito, Alisson Batista de Figueiredo, o Alisson Codó (MDB) chamou de vagabunda, em praça pública, a vereadora eleita Tatyana Figueiredo Navarro, a Taty da Saúde (Republicanos). A conduta também se enquadra no crime previsto no Código Eleitoral.
Quais foram as decisões tomadas pelo Ministério Público Eleitoral nos dois casos, absolutamente semelhantes?
O QUE ACONTECEU
Em Medina, após investigação promovida pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), o vereador reeleito Alisson Codó foi denunciado à Justiça por crime eleitoral contra mulher. Não houve necessidade de interferência da Polícia para abrir um inquérito e investigar a denúncia. O MPE, de ofício, investigou o caso e denunciou o vereador eleito.
Além da suspensão de direitos políticos, o Ministério Público requer que o vereador pague R$ 500 mil de indenização à vítima. O crime ocorreu na Praça Doutor Max Machado, principal ponto de encontro da população de Medina, na noite de domingo, 6 de outubro, logo após o fechamento das urnas. Alisson Codó também atacou a irmã da vereadora, Aline Azevedo de Figueiredo. No dia seguinte, 7 de outubro, o promotor Uilian Carvalho já havia instaurado a investigação criminal eleitoral.
De acordo com denúncia, o vereador reeleito humilhou e constrangeu a vereadora eleita e a irmã dela, “utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.
Conforme relata o documento, o fato ocorreu na principal praça pública de Medina, com a presença de milhares de pessoas, no domingo, 6 de outubro de 2024, após resultado da apuração dos votos das eleições municipais, durante comemoração dos candidatos eleitos.
Em vídeo amplamente divulgado e transmitido em tempo real, o vereador denunciado, que aparece com microfone conectado a um paredão de som, chamou as vítimas de vagabundas e fez comentários misógino contra elas. Segundo a Ação Penal, as pessoas presentes batiam palmas enquanto ele proferia as ofensas. O denunciado estava acompanhado do prefeito e vice-prefeito eleitos, Lucas Lauterplan (MDB) e Dr. Juba (MDB), respectivamente, e do atual prefeito, Evaldo Sena, o Vavá, além de apoiadores e de simpatizantes – todos de grupo político adversário da vereadora eleita e vítima do crime cometido.
De acordo com o promotor de Justiça que assina a denúncia, Uilian Carlos Barbosa de Carvalho, percebe-se de forma clara que “o denunciado dolosamente almejou constranger e humilhar a vereadora eleita e a irmã dela, em razão da candidatura e eleição”.
DIVINÓPOLIS
Em Divinópolis, a então candidata a prefeita Laiz Soares, formalizou no final de agosto na 102ª Zona Eleitoral de Divinópolis uma denúncia-crime contra o então candidato à reeleição, Gleidson Azevedo (Novo) pelo mesmo crime e mesmo motivo. Em uma rede social, numa suposta conversa com um interlocutor, Gleidson Azevedo se referiu a Laiz Soares como “aquela vagabunda”.
A representação feita por Laiz Soares contra Gleidson Azevedo também se enquadra nas alterações promovidas no Código Eleitoral pela Lei 14.192/2021, que definiu as normas “para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas”.
Em Divinópolis, ao contrário da ação do Ministério Público Eleitoral em Medina, o MPE afirmou que não havia provas suficientes para apurar a denúncia e não procedeu a nenhuma investigação. Na primeira semana de setembro, o Juiz da 102ª Zona Eleitoral, Juliano Abrantes, encaminhou a denúncia à Delegacia Regional da Polícia Federal para a abertura de inquérito. A PF ainda não apresentou nenhuma informação sobre o andamento do inquérito. Na esfera eleitoral, onde o possível crime deveria ser discutido, conforme está previsto na Lei 14.192, a representação de Laiz Soares foi arquivada.
Veja reportagem publicada no dia 3 de outubro
O QUE DIZ O TSE
O Tribunal Superior Eleitoral deixa bem claro que esse tipo de crime cometido no período eleitoral deve ser enquadrado no Código Eleitoral. “A legislação considera violência política de gênero toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher, seja ela candidata ou política eleita. Também é crime qualquer ação que menospreze ou discrimine sua condição, cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”, destaca o Tribunal. .
Ainda segundo o TSE, para que a prática seja considerada crime, não é preciso haver agressão física. Atitudes nos campos psicológico e simbólico também são criminalizadas. A lei prevê pena de um a quatro anos de reclusão e multa, e, caso o crime seja praticado contra mulher com mais de 60 anos, gestante ou pessoa com deficiência, a pena pode chegar a cinco anos e quatro meses.
TRÊS ANOS
Em agosto, a Lei nº 14.192/2021, que alterou o Código Eleitoral e tornou crime a violência política de gênero, completou três anos. A lei estabelece regras jurídicas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e nas atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos. A norma também assegura a participação de mulheres em debates eleitorais e criminaliza a divulgação de fatos ou de vídeos com conteúdo inverídico durante a campanha eleitoral.
“Você é desvalorizada na sua humanidade por ser o que você é, uma mulher, e isso é humanamente um equívoco, que leva a todo tipo de violência”, ressaltou a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE, em seminário, ao apontar o sofrimento como uma das consequências da discriminação.
Entre as ações do TSE para enfrentar o tema, está a campanha “Mais mulheres na política. Sem violência de gênero”, protagonizada por Camila Pitanga, atriz, diretora e embaixadora da ONU Mulheres. Destaque também para vídeos sob o tema “Violência Política de Gênero Existe”, disponíveis no YouTube, que aborda as diversas formas de violência contra as mulheres no cenário público e as orienta sobre como denunciar.
O tema também foi tratado na revista “Estudos Eleitorais”, da Escola Judiciária Eleitoral do TSE. O volume 16, n° 2, conta com nove artigos em português e inglês assinados por 18 autores. Ao longo de 240 páginas, os textos abordam diferentes assuntos, como igualdade de gênero, violência doméstica, racismo e crimes de ódio, representação e representatividade parlamentar e financiamento de campanhas femininas, entre outros.
De acordo com o Ministério Público Federal, de agosto de 2021 até agosto desse ano, o Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero (GT-VPG) já recebeu 215 casos suspeitos de todo o país, uma média de seis por mês. Entre os tipos de denúncias, destacam-se ofensas, transfobia, agressões, exposições, violência psicológica, sexual e moral.
Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram