Minas já registrou esse ano 335 tentativas de assassinatos contra mulheres, das quais 118 foram consumadas

Compartilhe essa reportagem:

O aumento dos feminicídios em Minas foi discutido em audiência pública na ALMG (Foto: Henrique Chendes/ALMG)

No Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, celebrado nesta segunda-feira (25), os números mostram que o mundo ainda está longe de combater uma das principais causas de mortes femininas. No Brasil, a cada seis horas é registrado um assassinato de mulher. Em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), uma das sugestões apontadas por todos é de que os homens, os principais agressores, também precisam participar das ações de enfrentamento.

Diariamente, no mundo, 140 mulheres são mortas por alguém de sua família, o equivalente a uma a cada 10 minutos. Os dados constam do relatório “Feminicídios em 2023”, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Classificada como epidemia contra mulheres e meninas pelo secretário-geral, António Guterres, a violência já foi experimentada por uma em cada três mulheres ao longo da vida.

A violência atinge todos os países, e como afirmou a coordenadora-geral da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) do Ministério das Mulheres, Ellen dos Santos Costa, o feminicídio, que é a forma mais grave, é resultado das desigualdades estruturais, culturais e históricas de cada nação. O Brasil está entre as primeiras posições da lista mundial. “Não podemos enfrentar o feminicídio sem compreender que ele nasce de raízes profundas como o machismo, o racismo e as desigualdades raciais”, refletiu.

A audiência, solicitada pela presidenta da comissão, deputada Ana Paula Siqueira (Rede) teve por finalidade debater o tema “Feminicídio Zero!”, por ocasião da campanha nacional de 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, iniciado no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro.

A deputada explicou que a data inicial foi escolhida porque as mulheres negras são as principais vítimas da violência doméstica. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, dos 1.463 assassinatos de mulheres no ano passado, 63,3% das vítimas eram negras.

Ana Paula Siqueira lamentou que Minas Gerais lidere o ranking do feminicídio no País. Informações do governo estadual apontam que até outubro foram registrados 108 assassinatos de mulheres, número 24% menor que no mesmo período do ano passado.

Por outro lado, os casos de feminicídio tentado aumentou de 139, para 217, 56% de aumento. Entre os casos totais registrados, o crescimento foi de 15%. “Precisamos falar sobre violência com as mulheres, porque boa parte ainda não identifica o que está passando”, afirmou a deputada.

“Precisamos também falar sobre violência com os homens, porque são eles que cometem a maior violência”, afirma a deputada Ana Paula Siqueira.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Patrícia Habkouk, que apresentou os números nacionais e mineiros, chamou a atenção para a falta de conhecimento das vítimas. Conforme os dados do anuário, apenas 32% das mulheres negras entrevistadas reconheciam a violência e somente 28% solicitaram medidas protetivas. “Ainda não chegamos na periferia, às mulheres que de fato precisam da proteção”. Das mulheres que buscaram ajuda do Ministério Público, 48% afirmaram que as medidas protetivas foram descumpridas.

ENVOLVIMENTO DOS HOMENS

Ellen Costa, do Ministério das Mulheres, afirmou que a articulação nacional da campanha Feminicídio Zero! busca o envolvimento de toda a sociedade na disseminação da não tolerância das violências com base em gênero. Lançada em agosto, a iniciativa já conta com 120 parceiros entre empresas públicas e privadas, órgãos estaduais, clubes de futebol e movimentos sociais.

Uma das atividades para atrair os homens, foi “invadir” jogos, num ambiente prioritariamente masculino, na tentativa de estimular o engajamento. “Nem todo homem é um agressor, mas eles precisam intervir e ajudar a mulhr a sair do ciclo de violência

Outras ações de envolvimento de homens para redução da violência foram citadas. O Tribunal de Justiça, segundo o superintendente Adjunto da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, Leonardo Guimaraes Moreira, promove grupos reflexivos para homens agressores e trabalhos educacionais com estudantes de escolas públicas.

“Cada cidadão, cada cidadã pode sim ser um agente de transformação, denunciando, apoiando as vítimas e promovendo uma cultura de respeito e igualdade” (citação)

A Defensoria Pública promove cursos, oficinas e distribui a cartilha “Isso é papo de homem” como medidas de prevenção e conscientização, segundo a coordenadora Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, Luana Borba Iserhard.

A Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte também trabalha com crianças e adolescentes como tentativa de evitar futuros agressores. Segundo a subinspetora Aline Oliveira dos Santos Silva, uma das ações é a distribuição da cartilha “Namoro legal”, idealizada pelo Ministério Público de São Paulo, que aborda e alerta para relacionamentos abusivos.

GRANDES DESAFIOS

Alguns avanços foram lembrados durante a audiência pública. Na tentativa da conscientização dos homens, Anabel Pessôa, co-fundadora do Instituto Maria da Penha, cita alteração promovida na Lei estadual 22.256, de 2016, que institui a política de atendimento à mulher vítima de violência no Estado, com a inclusão da necessidade de reeducação dos agressores. “Essa medida enfrenta a raiz do problema”, elogia.

Anabel Pessôa também citou decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que derrubou os prazos para medidas protetivas, garantindo a validade enquanto o risco existir para a vítima. Antes, a mulher precisava renovar o pedido a cada 3 ou 6 meses, realimentando o sofrimento.

A promotora Patrícia Habkouk exaltou alterações no Código Penal trazidas pela Lei Federal 14.994, de 2024, com aumento de penas para as diferentes formas de violência. Um dos exemplos é o crime de feminicídio, cuja pena passa de 20 para 40 anos. “Nós sabemos que não vamos vencer a violência contra as mulheres apenas com as medidas penantes, mas já é um avanço”.

Representantes do Executivo citaram ações do governo estadual como trabalhos de acolhimento às vítimas, de capacitação de servidores públicos, programas de mediação de conflitos entre outros.

Todos os participantes, no entanto, reconheceram que o principal desafio é fazer chegar essas iniciativas às mulheres mais vulneráveis e aos municípios mais distantes. Uma das ferramentas de facilitação é o trabalho em rede, por meio do trabalho conjunto de todos os órgãos de segurança, sociedade civil e poderes públicos.

Joana Maria Teixeira Coelho Moreira presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Minas Gerais e subsecretária de Política dos Direitos das Mulheres da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) disse que existem menos de 100 conselhos distribuídos nos 853 municípios mineiros. “A preocupação de interiorização existe. Por mais que a rede esteja organizada, é preciso ter engajamento político no município”, alerta

Entre outras participantes, a deputada Ana Paula Siqueira reclamou da falta de orçamento para implementação de políticas públicas no Estado. Ela defendeu o fortalecimento das redes de proteção e a ampliação dos conselhos municipais. “Nós queremos nossas mulheres vivas. Precisamos que esse assunto seja prioridade do governo” (citação aps)

A deputada lembrou quem em 2025 serão realizadas conferências municipais, estaduais e nacional de enfrentamento da violência contra a mulher. Sem os conselhos, segundo a deputada, será difícil organizar os eventos nos municípios. A falta também compromete a fiscalização das políticas públicas nas cidades.

Fonte: ALMG


Compartilhe essa reportagem: