Alguns convidados criticaram a iniciativa e disseram temer a privatização dos serviços e o aumento de tarifas
Representantes do Poder Executivo estadual, comandado pelo governador Romeu Zema (Novo), apresentaram o modelo de regionalização para os serviços de saneamento básico e do descarte de resíduos em Minas Gerais na tarde desta quinta-feira (27/5/21). Durante a reunião, realizada pela Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), alguns convidados criticaram a proposta, que foi considerada como um passo em direção à privatização, e pode, para eles, dificultar a universalização dos serviços.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
A proposta do governo estadual foi apresentada pela Secretaria de Meio Ambiente (Semad) e atende exigência do Novo Marco Regulatório do Saneamento, aprovado no Congresso Nacional em 2020. Ele determina que estados precisam instituir unidades regionais a partir do agrupamento de municípios para garantir a viabilidade econômica e técnica para oferta de serviços de água e de esgotamento sanitário até julho deste ano.
No caso de Minas Gerais, a expectativa do governo é ter duas regionalizações, uma para descarte de resíduos sólidos e outra para água e esgotamento sanitário.
Quem apresentou os aspectos gerais da proposta foi Lilia de Castro, superintendente de saneamento básico da Semad. Segundo ela, uma das premissas é o fortalecimento da autonomia municipal. Assim, a adesão dos municípios ao serviço regionalizado será facultativa, porém, não participar implica em não receber recursos federais para a área de acordo com o estipulado na lei federal.
Além disso, a governança do saneamento básico se dará em uma instância executiva, formada pelos prefeitos, e uma colegiada. Nessas últimas, estarão representantes dos municípios, dos estados e dos comitês de bacias hidrográficas, mas os municípios terão maioria dos votos, de forma a manter sua autonomia. Esses prefeitos deverão se organizar, então, dentro das regionais planejadas, de acordo com Lilia de Castro, a partir de parâmetros técnicos e econômicos.
No caso da regionalização para os resíduos sólidos, foram levados em consideração os consórcios já existentes entre os municípios e, nas regiões onde esses não existem, as regionais de saúde guiaram as divisões. Já no caso dos serviços de água e esgoto, houve uma primeira divisão levando em conta as sub-bacias dos principais rios que atravessam o Estado, mas algumas regiões desse primeiro projeto foram consideradas inviáveis economicamente e reunidas em regionais maiores.
O objetivo da regionalização é atender às metas colocadas pelo marco federal, que define a data de 2033 para que 99% da população tenha água tratada e 90% tenha acesso a esgotamento sanitário. No caso dos resíduos sólidos, a meta é acabar com os lixões até 2034. Como os municípios menores têm menos capacidade financeira, a regionalização ajudaria a cumprir tais metas.
Tramitação – A proposta precisa tramitar e ser aprovada na Casa Legislativa, mas ainda não foi oficialmente entregue. Esse atraso foi criticado pelo deputado Marquinho Lemos (PT), que destacou que os representantes do governo se negaram a participar de reunião anterior sobre o tema alegando que o fariam depois de entregar o texto, mas não cumpriram o prazo para tal.
Lilia de Castro explicou que o atraso se deu em função das muitas contribuições recebidas por consulta pública aberta na internet. Segundo ela, foram recebidas 157 sugestões e a equipe do governo buscou aproveitá-las o máximo possível. Assim, 12 dos 23 artigos do texto original sofreram alterações a partir da participação popular, de forma que ele está sendo revisado para, em breve, ser encaminhado à ALMG.
O deputado Gustavo Valadares (PSDB), que articulou o adiamento da presença dos representantes do Poder Executivo, reforçou a participação popular como causa do atraso e comemorou o envolvimento na consulta pública.
Preço das tarifas é uma das preocupações dos presentes
Se implantado o modelo, as tarifas de água e esgoto para os consumidores, segundo a gerente de operações do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) Áurea de Carvalho, devem ficar, em média, 5% menores. Em seis regionais, porém, é possível que o resultado seja o aumento da tarifa para os consumidores rurais, a não ser que o bloco opte, por exemplo, pela não cobrança de outorga das empresas que ganharem as licitações.
Uma das preocupações de Eduardo de Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Minas Gerais (Sindágua), é exatamente com as tarifas. Apesar de os representantes do governo terem afirmado que, a partir de subsídios cruzados poderão ser ofertadas tarifas sociais, ele considerou que, nas regiões mais pobres, isso pode ser mais difícil.
Eduardo de Oliveira ressaltou que os municípios com os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos ficam nas mesmas regiões, notadamente Norte e Vale do Jequitinhonha.
Atualmente, o subsídio cruzado, quando alguns usuários pagam mais para garantir que o serviço chegue a quem tem menos dinheiro, é feito pela Copasa levando em conta todo o Estado. “Ao regionalizar, teremos blocos pobres se autosubsidiando”, disse.
Além dessa crítica, de forma geral a proposta não foi bem recebida pelos presentes. Os convidados rechaçaram a falta de aproveitamento da Companhia de Saneamento Básico de Minas Gerais (Copasa) no arranjo. “Nunca imaginei que veria uma apresentação sobre saneamento básico em Minas sem que a palavra ‘Copasa’ fosse dita”, disse o coordenador do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Marcos Montenegro.
Ao citar um artigo publicado na revista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Marcos Montenegro afirmou que é preciso aproveitar o conhecimento e a estrutura das companhias estaduais se quisermos realmente avançar para a universalização.
Ele criticou, ainda, que anualmente a Copasa tem gerado lucro, mas que seus recursos têm sido usados para gerar caixa para outras despesas. Segundo ele, dados públicos mostram que em 2020 o lucro foi de R$ 816 milhões, mas a distribuição de dividendos foi de mais de R$ 1 bilhão, o que é incompatível e demonstra, em sua avaliação, que os acionistas têm sido colocados em primeiro plano diante da necessidade de universalizar os serviços.
Críticos da proposta acreditam que ela vai levar à privatização dos serviços
Outra crítica, ecoada tanto por Marcos Montenegro quanto por outros presentes, é que a proposta é um passo em direção à regionalização. Apesar de, durante a apresentação, os representantes do governo estadual terem negado tal intenção, Léo Heller, ex-relator especial dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário das Nações Unidas, chamou a ideia de regionalização de eufemismo para privatização. “Toda a lógica de construção da proposta apontam nitidamente que é uma modelagem para a privatização”, disse.
Diante dessa constatação, Léo Heller afirmou que a iniciativa vai na contramão do mundo, na medida em que nenhuma outra nação tem caminhado de forma massiva, como é a proposta da lei federal, para a privatização. Segundo ele, o que se observa no mundo é que a privatização dificulta a universalização e que há uma tendência de o Estado assumir de volta esses serviços privatizados.
Resposta – A secretária estadual de meio ambiente, Marília de Melo, respondeu aos principais questionamentos. Ela reconheceu que a Copasa é uma empresa de excelência, mas disse que ela precisará se adaptar às novas regras da lei federal. Uma delas é de que os serviços de água e esgoto precisam ser prestados conjuntamente e, em vários municípios, a Copasa presta apenas o serviço de água tratada.
Além disso, ela afirmou que algumas companhias estaduais, como a de São Paulo, estão se preparando para participar de licitações até fora do estado e que a Copasa também tem condições de fazer isso. Deverá, entretanto, participar de licitações com outras empresas. Sobre a privatização, ela reafirmou que o processo de regionalização não necessariamente levará à privatização.
Deputados destacam importância do diálogo sobre a proposta
Os deputados Marquinho Lemos e Virgílio Guimarães (PT) salientaram a importância do debate e a necessidade de mais discussões acerca de um assunto tão complexo.
Presidente da comissão, Marquinho Lemos informou que serão agendadas novas audiências para que todas as dúvidas das prefeituras e da população possam ser dirimidas. Um dos pontos que lhe preocupa é o preço das tarifas no bloco formado pelas regiões do Jequitinhonha e Mucuri.
Na mesma linha, Raul Belém (PSC) frisou que o projeto do governo será aperfeiçoado pela ALMG. Ele já adiantou, no entanto, seu posicionamento favorável à regionalização dos serviços de saneamento básico, uma vez que a redução de custos beneficiaria municípios em dificuldade.
Também a deputada Celise Laviola (MDB) destacou a necessidade de universalização do saneamento, ao apontar que os estudos do governo se concentraram na viabilidade econômica e na proteção dos municípios que não têm como arcar com os serviços.
Contraponto – O deputado Professor Cleiton (PSB), contudo, fez diversas críticas ao projeto do Executivo e ao Novo Marco do Saneamento Básico. No seu entender, a União quis impor a regionalização, mesmo que não seja de interesse comum, desconsiderando serviços já bem avaliados e a autonomia municipal. Ele ainda criticou o “sucateamento” da Copasa.