Ditador de plantão na Câmara rasga a Lei Orgânica, cala vereadores e aprova na marra projeto que muda alíquota suplementar do Diviprev

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Projeto aprovado pelos vereadores garante um saldo de R$ 65,5 milhões para os cofres da Prefeitura

Apesar do cochilo durante a sessão de ontem da Câmara, Israel da Farmácia não dormiu no ponto na hora de desafiar os servidores (Foto: Pedro Gianelli/Sintram)

A Câmara Municipal aprovou na tarde desta quinta-feira (5) o Projeto de Lei 49/2024, de autoria do prefeito Gleidson Azevedo (Novo), que muda o Plano de Custeio Suplementar do Instituto de Previdência dos Servidores Municipais de Divinópolis (Diviprev). O Plano de Custeio Suplementar é responsabilidade legal do patrono do Regime Próprio de Previdência, no caso do Diviprev, a Prefeitura Municipal. Esse plano é a forma legal de sanar o déficit atuarial do Instituto, que em 2025 vai ultrapassar a R$ 1,7 bilhão.

O chamado déficit atuarial é o resultado negativo obtido quando se compara o valor dos ativos garantidores de um plano de benefícios (patrimônio liquido) com os valores atuais dos fluxos de contribuições e pagamentos futuros. Quando os ativos garantidores não suportam o pagamento futuro, é verificado o déficit atuarial, tornando obrigatório o plano de custeio para que o pagamento das aposentadorias seja assegurado.

O déficit atuarial do Diviprev foi observado já a partir de 2012, mas as medidas efetivas só começaram a ser adotadas a partir de 2016. A situação se agravou com os atrasos da Prefeitura no recolhimento das contribuições, obrigando a sucessivos parcelamentos de dívidas do município com o Instituto. Ao invés de denunciar os riscos da prática, os superintendentes do Instituto optaram pelo silêncio como forma de garantir o emprego, já que trata-se de cargo comissionado de livre indicação do chefe do Executivo. As dívidas parceladas só foram regularizadas na atual gestão e desde 2021 não ocorreu mais nenhum parcelamento de débito por atraso no recolhimento da contribuição.

PROJETO 49

O plano de custeio suplementar do Diviprev em vigor foi elaborado pela Brarsilis Consultoria e entrou em vigor a partir de 2019, por decreto assinado pelo então prefeito Galileu Machado. A primeira alteração nesse plano está sendo feita agora por Gleidson Azevedo. A aprovação do novo plano suplementar pela Câmara tornou-se obrigatória a partir de 2022, como forma evitar que a decisão fosse unilateral do Executivo, permitindo que  vereadores e servidores discutissem qualquer plano que viesse a ser apresentado. Mas, não foi isso que aconteceu na Câmara de Divinópolis, conforme você verá nesta reportagem.

A alteração no Plano de Custeio trouxe incômodo aos servidores municipais pela falta de transparência em todo o processo. O que gerou mais incômodo aos servidores na proposta aprovada nesta quinta-feira foi a mudança nas alíquotas, reduzidas nos próximos dois anos para a atual gestão. Com as modificações, o prefeito Gleidson Azevedo, que deveria recolher em 2025 e 2026 R$ 148,2 milhões em aportes ao Diviprev, recolherá agora R$ 83,7 milhões, o que lhe garantirá mais R$ 64,5 milhões no caixa do Executivo.

Outra alteração que os servidores não aceitam, é a prorrogação do período para encerramento do Plano de Custeio. Pelo Plano em vigor, o último aporte, no valor estimado em R$ 192,7 milhões, seria feito em 2050. Pelo projeto aprovado na Câmara, a última parcela será quitada somente em 2058, no valor de R$ 168,2 milhões.

TRUCULÊNCIA

A alteração no Plano de Custeio Suplementar do Diviprev, como já vimos nessa reportagem, só pode ser feita via lei ordinária, que, necessariamente, tem que ter a aprovação legislativa. Essa obrigatoriedade de passar pelas câmaras municipais foi adotada a partir de 2022 e o objetivo é abrir o debate em torno de uma decisão que afeta milhares de trabalhadores. “Esse debate é a forma que uma democracia exige de seus líderes quando se trata de temas tão delicados quanto esse do Diviprev, principalmente quando envolve uma massa de trabalhadores tão expressiva. Aqui não se discute quem é contra ou a favor, mas a forma de condução da votação do projeto, que atropelou todos os princípios democráticos”, destaca o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Divinópolis e Região Centro-Oeste (Sintram), Marco Aurélio Gomes.

A reação dos servidores começou há duas semanas, quando os conselhos Administrativo e Fiscal do Diviprev se reuniram para apreciar o Projeto 49, que só estaria apto para ser votado na Câmara após a aprovação pelos dois órgãos deliberativos. Dos 14 conselheiros, nove votaram a favor e três foram contrários. Um conselheiro não compareceu. Dos nove votos favoráveis, quatro foram de conselheiros eleitos pelos servidores.

O projeto passou pelos Conselhos, que optou pela votação a portas fechadas e sem nenhuma discussão com os servidores. Os bastidores dessa votação relatam pressões da superintendência do Diviprev e do Executivo pela aprovação da proposta.

NA CÂMARA

O Projeto 49 teve uma das tramitações mais rápidas da história da Câmara Municipal de Divinópolis. Embora não houvesse pedido de urgência, o projeto foi votado em apenas dois dias. A tramitação começou na terça-feira (3), quando a proposta foi lida na Câmara. Em tempo recorde, as Comissões da Câmara expediram os pareceres legais, que ficaram prontos de um dia para o outro, sendo liberados na quarta-feira, dia 4. Na sessão desta quinta-feira (5), o projeto foi votado, mesmo não constando da ordem do dia.

TRUCULÊNCIA E ANTIDEMOCRACIA

O presidente da Câmara, vereador Israel da Farmácia (Avante), que está no cargo premiado por uma manobra do prefeito Gleidson Azevedo que derrubou o então presidente Eduardo Print Júnior (PSDB), ignorou todo o processo democrático para a votação do Projeto. A proposta entrou na pauta por um pedido de inclusão assinado por 13 vereadores: Israel da Farmácia, Anderson da Academia, César Tarzan, Edsom Sousa, Hilton de Aguiar, Ney  Burger, Ana Paula do Quintino, Breno de Oliveira, Deusdete Campos, Flávio Marra, José Wilson Piriquito, Josafá Anderson e Wesley Jarbas.  No plenário, o pedido de inclusão do projeto foi aprovado por unanimidade.

Aprovada a inclusão, o projeto foi colocado em votação. Foi nessa fase que Israel da Farmácia reincorporou o ditador que vem comandando a Câmara Municipal desde maio do ano passado. Ele rasgou a Lei Orgânica, que é clara em dois de seus artigos: todo projeto que tenha por objeto o servidor, deve ser acompanhado de um parecer do Sintram: Diz a Lei Orgânica: cabe ao Executivo: “organizar o quadro e estabelecer o regime de seus servidores, ouvido o sindicato representativo da categoria, que deverá encaminhar parecer opinativo circunstanciado quando em ocasião de apresentação de proposições”.

O Sintram não foi, sequer, comunicado pela Câmara de que o projeto estaria apto a ser votado. A decisão de Israel da Farmácia foi questionada, sem muita convicção, pelo vereador Ademir Silva. Os demais fingiram que nada anormal estava acontecendo, mesmo diante da destruição da lei maior do município: a Lei Orgânica. Mais grave, ainda, foi o presidente da Câmara invocar o artigo 225 do regimento interno, que lhe dá prerrogativas de ditador, e negar o pedido de vistas ao projeto feito por Ademir Silva, que pediu um prazo até a próxima terça-feira da semana que vem, já que um dia antes haverá uma assembleia dos servidores. Sem consultar o plenário, numa decisão monocrática e ditatorial, Israel da Farmácia negou a solicitação.

Em seguida, o projeto foi colocado em votação. Mais uma vez, o testa de ferro do prefeito ignorou todos os princípios democráticos e impediu que o Projeto fosse discutido no plenário. O projeto foi aprovado por 14 votos favoráveis. Ademir Silva foi o único voto contra. Rodyson do  Zé Milton não votou e foi um fantasma, já que sua presença foi registrada no painel eletrônico, ganhou o dia, mas não apareceu em nenhum momento no plenário.

O Sintram já acionou a Justiça e espera para as próximas horas uma decisão do juiz Marlúcio Teixeira, da Vara de Fazendas Públicas e Autarquias ao pedido de anulação da votação. O pedido do sindicato foi baseado no desrespeito à Lei Orgânica. Veja reportagem.

Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram


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