Disputa pela vaga de Zé Braz na Câmara se transforma numa confusão jurídica e decisões estabanadas

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O presidente da Câmara, Israel da Farmácia, não tocou no assunto na sessão de hoje (foto: Reprodução/TV Câmara)

A disputa pela vaga do ex-vereador José Braz Dias, o Zé Braz, morto no início de julho desse ano, se transformou numa bagunça jurídica, com decisões imediatistas e estabanadas, que mudam da noite para o dia. As duas últimas decisões sobre o caso, do mesmo juiz, apontam para uma eventual trapalhada jurídica ou confirmam as muitas inconsistências do ordenamento jurídico brasileiro, que permite um recurso atrás do outro, causando interpretações diversas às vezes certas e muitas vezes equivocadas.

Para contextualizar, a briga pela cadeira de Zé Braz começou logo após seu falecimento. Dois concorrentes à vaga – Deusdete Campos (PV) e Washington Moreira (Republicanos) – iniciaram um verdadeiro cabo de guerra judicial para saber quem ficaria com a cadeira. José Braz foi eleito vereador em 2020 pelo PV. Na mesma eleição, Washington Moreira ficou com a primeira suplência da legenda, enquanto Deusdete Campos ficou com a segunda suplência. Entretanto, no período da janela partidária, Washington Moreira deixou o PV para se filiar ao Republicanos.

Na última terça-feira (15), a reportagem sobre o assunto publicada pelo Portal do Sintram, já chamava a atenção para a confusão jurídica formada em torno da disputa pela cadeira do ex-vereador. Enquanto a imprensa da cidade bateu o martelo anunciando a posse de Washinton Moreira, a reportagem do Portal do Sintram alertou: “Disputa pela vaga de José Braz na Câmara ganha novo capítulo no tapetão e última decisão não é definitiva”  – Leia a reportagem.

SIGA O HISTÓRICO

21 de julho – O vereador José Braz Dias morre vítima de um acidente motociclistico.
24 de julho – Após consulta, a Câmara recebeu orientação da 103ª Zona Eleitoral, informando que a vaga aberta no Legislativo pertencia ao PV, partido pelo qual José Braz foi eleito. Com esse entendimento, o presidente da Câmara, Israel da Farmácia (PP) anunciou a posse de Deusdete Campos para o dia 6 de agosto.
24 de julho – Washington Moreira impetra mandado de segurança, com pedido de liminar, contra a decisão do presidente da Câmara, alegando ser o dono da vaga.
25 de julho – O juiz Marlúcio Teixeira, da Vara de Fazendas Públicas e Autarquias, concede a liminar pleiteada por Washington Moreira e suspende a posse de Deusdete Campos que estava marcada para o dia 6 de agosto. 
25 de julho – Logo após o juiz Marlúcio Teixeira conceder a medida cautelar a Washington Moreira, o Partido Verde interpôs um agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, pedindo efeito suspensivo da liminar concedida em primeira instância.
26 de julho – O desembargador Alberto Diniz, em decisão monocrática, acatou o agravo de instrumento impetrado pelo PV, cassou a liminar concedida em primeira instância, e autorizou a posse de Deusdete Campos.
06 de agosto – Amparado pela decisão do desembargador Alberto Diniz, no dia 6 de agosto, o presidente da Câmara, Israel da Farmácia, empossou Deusdete Campos na cadeira deixada por José Braz.
07 de agosto – Washington Moreira recorre da decisão através de um agravo interno, que continua aguardando julgamento do desembargador Alberto Diniz. Como o agravo ainda não foi julgado, para efeitos da decisão tomada em segunda instância, Deusdete Campos continua no cargo sub judice.

AS DECISÕES

Deusdete está garantido no cargo até decisão de segunda instância (Foto: Reprodução/TV Câmara)

Já com a posse do substituto de José Braz sendo discutida em segunda instância, o juiz Marlúcio Teixeira, da Vara de Fazendas Públicas e Autarquias, deu sequência ao trâmite do mandado de segurança impetrado por Washington Moreira no dia 24 de julho, com liminar favorável concedida no dia 25 de julho. Embora a liminar tenha sido cassada em segunda instância, em decisão ainda sub judice mediante um agravo interno, o juiz Marlúcio Teixeira ignorou essa decisão e julgou o mérito do mandado de segurança impetrado por Washington Moreira.

Na decisão, divulgada na última segunda-feira (14), Marlúcio Teixeira escreveu: “TORNO DEFINITIVA A LIMINAR [grifo do juiz] e CONCEDO A SEGURANÇA [grifo do juiz] para determinar [grifo nosso] que o Presidente da Câmara Municipal de Divinópolis nomeie e dê posse ao impetrante [Washington Moreira]no cargo de vereador da referida municipalidade, na vaga aberta em razão do falecimento do ex-vereador Sr. José Braz Dias, julgando extinto o processo com resolução de mérito [grifo nosso]”.

NA CÂMARA

O presidente da Câmara, Israel da  Farmácia, em uma decisão estabanada, comunicou a Deusdete Campos na terça-feira (15) que ele deveria deixar a cargo e, no mesmo dia, anunciou para a sessão desta quinta-feira (17) a posse de Washington Moreira. Ao mesmo tempo, o PV impetrou embargos de declaração contra a decisão que concedeu o mandado de segurança autorizando a posse de Washington Moreira.

 Ao anunciar a posse de Washington Moreira, o presidente da Câmara atropelou os trâmites judiciais, uma vez que, oficialmente, a Câmara não havia sido comunicada da decisão, embora o juiz tenha sido claro na sentença determinando que o novo vereador fosse empossado.

ÚLTIMA DECISÃO
(que também não é definitiva)

A última decisão dessa confusa disputa jurídica foi divulgada pelo Juiz Marlúcio Teixeira no início da noite desta quarta-feira (16). Ele negou os embargos de declaração apresentados pelo PV com pedido de revisão da decisão que concedeu o mandado de segurança a Washington Moreira. Entretanto, contrariando sua própria decisão, Marlúcio Teixeira proibiu a Câmara de empossar Washington Moreira e reconheceu a hierarquia judiciária, o que não havia sido explicitado na decisão anterior.

Veja a integra da primeira decisão favorável a Washington Moreira assinada pelo Juiz Marlúcio Teixeira

TRECHOS DA ÚLTIMA SENTENÇA DE MARLÚCIO TEIXEIRA

“Há de se obedecer a hierarquia do Tribunal de Justiça sobre este Juízo, somente podendo a presente decisão emanada da sentença ora prolatada ser efetivada após reanálise obrigatória do Tribunal de Justiça, ratificando os termos ora decididos”.

Portanto, por óbvio, o Presidente da Câmara somente pode dar posse ao impetrante após o trânsito em julgado da sentença [grifo do juiz], e no caso da mesma prevalecer; pois, do contrário, estaria afrontando e desobedecendo decisão do próprio Tribunal de Justiça, que suspendeu os efeitos da liminar concedida para o impetrante tomar posse no cargo de vereador, bem como da presente sentença, que subordinou seu cumprimento, como não poderia ser diferente, ao seu trânsito em julgado”,

Na oportunidade, determino a cientificação do Presidente da Câmara para ciência destes embargos, sendo-lhe ainda esclarecido que por enquanto, não foi emanada nenhuma ordem para o mesmo dar posse ao impetrante [Washington Moreira] no cargo de vereador”. [grifo do juiz]

“E eventual prática de conduta em desobediência às ordens legais e judiciais, acarretando danos a quem quer que seja, pode acarretar responsabilidade pessoal de seu executor”.

Veja a íntegra da última decisão

NOTA DA CÂMARA

Após empossar e desempossar Washington Moreira em menos de 24 horas, a Câmara divulgou uma nota admitindo que não houve comunicado oficial do Judiciário. “A Câmara Municipal de Divinópolis informa que não tomou conhecimento formal da decisão relacionada a posse do suplente Washington Moreira, mas que já está ciente do seu conteúdo”, diz a nota. “Em respeito à legislação e às normas vigentes, a Câmara cumprirá integralmente a determinação judicial, realizando os trâmites administrativos necessários”, conclui.

O que continua valendo é a decisão de segunda instância, que cassou a liminar concedida a Washington Moreira. Com isso, Deusdete Campos fica no cargo e, inclusive, participou da reunião da Câmara ocorrida na tarde desta quinta-feira (17). Embora tenha tomado uma decisão estabanada, o presidente da Câmara, Israel da Farmácia, se manteve em silêncio sobre o assunto durante a sessão.

As decisões do juiz Marlúcio Teixeira, que emitiu uma ordem em sentença oficial para Washington Moreira assumir o cargo, provocaram interpretações divergente, muitas vezes pela dificuldade de entendimento do juridiquês utilizado no judiciário. Marlúcio Teixeira alertou que a sentença está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, ou seja, decisão mesmo, com validade, somente ocorrerá após o julgamento do recurso impetrado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais por Washington Moreira.

Dessa forma, enquanto não houver uma decisão de segunda instância, Deusdete Campos continua no cargo.

Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram


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