Dialeto africano falado em bairro da cidade de Bom Despacho foi uma das questões nas provas do Enem

Compartilhe essa reportagem:

O Congado, forte manifestação cultural e religiosa de Bom Despacho, é originário da Tabatinga (Fotos: Redes Sociais)

A comunidade da Tabatinga na cidade de Bom Despacho é um quilombo urbano dentro do Bairro Ana Rosa. A Tabatinga não é apenas um quilombo urbano, é uma comunidade que durante dezenas de anos foi marginalizada, com seu povo sofrendo discriminações severas, perseguições e preconceitos pela cor de seus moradores, pela religião e pelos seus costumes. Os historiadores contam que em décadas passadas, sem precisar o período, um padre tentou impedir a comunidade de realizar seus festejos na igreja de São Benedito. A disputa foi longa, mas os moçambiques da Tabatinga, liderados pela dona Tiana, venceram e voltaram a participar das missas. Era o início de uma das mais tradicionais festas da cidade: o Congado.

Hoje, a Festa de Reinado oriunda do Moçambique da Tabatinga, é um dos mais importantes eventos culturais e religiosos de Bom Despacho. Nos meses de julho e agosto dezenas de Cortes de Reinadeiros brindam os bondespachentes e turistas com suas roupas coloridas e músicas alegres para saudar Nossa Senhora do  Rosário. O Reinado, também conhecido como Congado, é uma celebração religiosa e cultural que surgiu com os escravos. A festa é uma herança afro-brasileira e patrimônio imaterial da população.

A devoção a Nossa Senhora do Rosário foi trazida para a região de Bom Despacho pelos negros no final do século XVII. A lenda diz que a virgem do Rosário apareceu sob as águas do mar, tornando-a a santa protetora dos negros. A Festa do Reinado de Bom Despacho é uma tradição religiosa que se mantém há mais de 200 anos. Durante a festa, dançadores e músicos percorrem as ruas da cidade cantando e louvando a padroeira. Essa festa está intimamente ligada à Tabatinga, onde surgiram as primeiras Cortes de Moçambique.

LÍNGUA DA TABATINGA

No final da década de 1960 a “língua da Tabatinga” começou a ser estudada. A origem é africana e os moradores do quilombo misturavam a linguagem com o português. Em 1985, o Economista Antônio Benício de Castro Cabral, formado pela UnB, com graduação na Unicamp, e Direito pela UFMG, lançou um dicionário da língua da Tabatinga.

Nele você encontra expressões como “cachar o cureio = almoçar, jantar”, “Cafuvira = negro”, “Camoninho = criança”, “Conjolo = Casa”, entre muitas outras que mostram tratar-se de um dialeto único, de um povo que precisava falar sem ser compreendido pelos brancos.

A literatura possui vasto conteúdo tratando do dialeto da Tabatinga. A escritora Sônia Queiroz é uma conceituada referência sobre o assunto e autora do livro “Pé Preto no Barro Branco: A Língua dos Negros da Tabatinga” (Editora UFMG, 1998). Natural de Bom Despacho, a escritora identificou nos dias atuais apenas duas pessoas na Tabatinga que ainda falam o dialeto.  

Clique aqui e veja as palavras e suas traduções no dialeto da Tabatinga, por Antônio Benício

ENEM

Menosprezado e marginalizado por muitos anos, o dialeto da Tabatinga virou questão do Enem desse ano. Na prova desse domingo a questão 12 abordou que a “a língua Tabatinga, falada na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais, foi por muito tempo estigmatizada devido a sua origem e a própria classe social de seus faltantes, pois, segundo uma pesquisa, era falada por meninos pobres vindos da Tabatinga ou de Cruz do Monte…”

Pergunta: A Língua da Tabatinga tem sido preservada porque o(a)

a) seu registro passou da forma oral para a escrita.
b) classe social de seus usuários ganhou prestígio.
c) função inicial se manteve ao longo dos anos.
d) sentimento de identidade linguística tem se consolidado.
e) perfil etário de seus falantes tem se tornado homogêneo.

O texto destaca que a preservação da Língua da Tabatinga está relacionada ao fortalecimento do sentimento de identidade dos falantes, que veem a língua como um legado afro-brasileiro a ser transmitido às gerações futuras. Esse sentido de pertencimento e identificação cultural contribui para a continuidade da língua. De acordo com a Prefeitura de Bom Despacho a alternativa correta é a letra D.

Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram


Compartilhe essa reportagem: