DENÚNCIA: terceirizão de escolas da rede estadual proposta por Romeu Zema é inconstitucional

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Reunião na Assembleia indicou vários pontos inconstitucionais na terceirização das escolas (Fotos: Guilherme Bergamini/ALMG)

Privatizar a educação seria questionar o papel do Estado e colocar em risco a garantia de direitos sociais. Essa foi a tônica da discussão na manhã desta segunda-feira (11), no Auditório José Alencar, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), durante a primeira mesa do debate público “Privatização na rede estadual pública de educação e os impactos para a comunidade escolar”, promovido pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia.

O Projeto Somar, proposto pelo governador Romeu Zema (Novo) e cujo piloto está em andamento em três escolas de Belo Horizonte, foi o principal alvo das críticas. O programa consiste na terceirização da gestão da educação pública com Organizações Socdiais, previamente credenciadas por meio de edital.

Para Eduardo Ferreira, assessor jurídico da Confederação Nacional Trabalhadores em Educação (CNTE), a iniciativa possui vícios inconstitucionais, que atentam contra princípios fundamentais da oferta da educação pública. Ele afirmou que “desde o início do projeto, em 2021, o próprio governo reconhece que os profissionais que estão lotados nessas escolas não precisam ser contratados por concurso público nem receber o piso salarial”.

Segundo ele, a rede estadual de Minas Gerais possui hoje cerca de 80 mil professores contratados temporariamente, enquanto apenas 17 mil ocupam posições efetivas. O modelo de privatização defendido pelo Executivo agravaria a situação. “É uma total burla ao princípio constitucional do concurso público”, denunciou. “Essa é uma discussão evidentemente política, além de jurídica. Que Estado a gente quer? Um Estado de bem-estar social ou um Estado mínimo?”, indagou o representante da CNTE.

Dezenas de educadores presentes protestaram contra a terceirização

Na opinião do cientista político e presidente do Instituto Cultiva, Rudá Ricci, o que está em debate não seria, contudo, uma ideia de Estado mínimo, mas sim de captura do Estado pelo empresariado: “eles estão disputando os fundos públicos. Isso não é Estado mínimo, é outra concepção de política pública”.

O sociólogo acredita que essa nova concepção já estaria entranhada na forma como governos atuais lidam com a educação. Ele mencionou a prova do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) como exemplo desse modelo mercadológico.

“O Ideb é um sistema de educação bancária, pois coloca um padrão de aluno ideal. Ele é insuficiente e avalia erroneamente. A gente precisa avaliar a vida dos estudantes, e não o número que eles obtêm na escola”, defendeu.

“A privatização desumaniza, pois o gestor passa a pensar somente em estatísticas. Educação é também relação humana, é cuidado”, afirmou o cientista político

A opinião foi reiterada pelo deputado federal Rogério Correia (PT-MG), para quem a privatização seria uma meta do mercado, de olho nos bilhões direcionados à educação todo ano. “Privatizar seria colocar esse recurso à mercê de muitos lucros”, disse.

Na mesma linha, o professor Daniel Cara, da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as políticas de educação estejam sendo tomadas por uma visão neoliberal.

“O neoliberalismo busca determinar que todas as relações se tornem mercantis. Seu objetivo é desconstruir os direitos sociais e os serviços públicos, com a estratégia de um Estado mínimo para o povo, mas Estado máximo para os interesses econômicos”, argumentou.

Gaia Nunes Cruz, diretora da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), concordou e afirmou que o modelo também implica falta de transparência, uma vez que as OSC’s credenciadas no Projeto Somar não têm obrigação de demonstrar onde estão investindo o recurso que recebem do Estado.

“Nós pagamos pela escola pública com nossos impostos, ela não é gratuita. Quando o dinheiro que pagamos vai para a iniciativa privada, nós não sabemos de fato para onde ele vai.”

A professora da rede estadual de Educação do Paraná e presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (App-Sindicato), Walkiria Mazeto, compartilhou a experiência de seu estado com iniciativa similar ao Projeto Somar.

Criado em 2022, o projeto Parceiro da Escola, do Governo do Paraná, prevê a concessão da gestão administrativa e de infraestrutura das escolas para instituições da iniciativa privada escolhidas por meio de processo licitatório. Diferentemente do que ocorre em Minas Gerais, a comunidade escolar tem o poder de decidir se quer ou não aderir ao projeto. De um total de 29 escolas pré-selecionadas, somente duas decidiram participar.

Walkiria explica que a iniciativa segue uma lógica pela qual cada estudante possui um custo de R$ 800 mensais, repassados pelo Estado às instituições parceiras. “As escolas foram separadas em lotes que levam em consideração o número de matrículas. Cada lote significa uma margem de lucro diferente para a empresa credenciada”, pontuou, ressaltando o viés de mercado do projeto.

Para ela, falta transparência na seleção das empresas, que é feita internamente pela Secretaria de Educação, sem edital público, bem como no financiamento. “Nosso acesso ao recurso vai até o momento que o Estado paga o contrato. O que a empresa faz com esse dinheiro não é uma prestação de contas pública”, afirmou.

Outro problema ainda mais grave seria o fato de que a empresa credenciada se torna responsável pela escolha da diretoria da escola, não mais a comunidade escolar. “É o fim da gestão democrática”, sentenciou Walkiria.

PROJETO EM MINAS ESTÁ SUSPENSO

“Não podemos cair na armadilha de combater a privatização escola a escola. Quando a gente acordar, a rede estadual estará privatizada”, defendeu a presidente da Comissão de Educação, deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento do debate público.

Ela lembrou que o último edital de credenciamento do Projeto Somar foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) após representação encaminhada pelo seu mandato. “Conseguimos uma liminar, mas o governo não desistiu desse modelo nem foi convencido do contrário”, disse.

Além da possível inconstitucionalidade do projeto, o questionamento ao edital foi fundamentado no processo de seleção das organizações credenciadas. “A situação foi escandalosa, com o credenciamento de 10 OSC’s que não conhecem nada de educação, não respeitam direitos trabalhistas. Tem organização credenciada pelo governo Zema que o principal trabalho dela é com usina fotovoltaica”, denunciou a parlamentar.

Beatriz Cerqueira ainda afirmou que está monitorando outros projetos de privatização em curso. “O Trilhas do Futuro também é em grande parte um modelo de privatização. Não é de acordo com a demanda da escola, é de acordo com o modelo de mercado”, afirmou, fazendo referência a outro projeto do Executivo.

Por fim, a parlamentar anunciou que está propondo uma emenda ao Orçamento de 2025 para impedir a aplicação de novos recursos em parcerias público-privadas na educação.

Fonte: ALMG


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