Em reportagem postada na última quarta-feira (24), o Portal do Sintram, mostrou que a Clínica de Estética Lorena Marcondes funcionou mais de um ano apenas licenças prévias facilitadas de localização renovadas por decreto do prefeito Gleidson Azevedo (Novo). O alvará sanitário, documento que permitiria as atividades de estética da clínica, nunca foi concedido. A biomédica manteve o funcionamento da clínica e a realização de procedimentos estéticos apenas com a licença de localização.
A situação funcional da clínica de estética, diante da possibilidade de favorecimento por parte do poder público, vem sendo discutida desde a morte de Iris Dorotéia Martins, de 46 anos, no dia 8 desse mês. A vítima sofreu uma parada cardiorrespiratória durante um procedimento realizado pela biomédica Lorena Marcondes e morreu ao dar entrada no Complexo de Saúde São João de Deus.
De acordo com o médico-legista Lucas Amaral, Iris Dorotéia apresentava várias perfurações na região do abdômen e a conclusão é a de que ela foi submetida a lipoaspiração ou lipoescultura, além de enxerto nas nádegas. São os chamados procedimentos invasivos, que a biomédica não tem autorização para realizar em razão de sua formação profissional.
EXPLICAÇÕES
Através de notas oficiais, publicadas após a morte de Iris Doroteia, o Executivo tentou explicar a atuação do poder público, que manteve a clínica funcionando, porém vários fatos apurados até agora, sugerem a possibilidade de favorecimento. Logo após a morte de Iris Dorotéia, houve uma tentativa tosca de imputar a responsabilidade pelo funcionamento da clínica a “servidores efetivos sem cargos comissionados”. A Prefeitura disse, ainda, que a clínica não foi fechada, porque os fiscais que realizaram vistoria na clínica no dia 18 de abril desse ano, não encontraram irregularidades passíveis de interdição do local.
As declarações do Executivo exigiram um posicionamento firme do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Divinópolis e Região Centro-Oeste (Sintram), através do seu presidente Marco Aurélio Gomes.
O presidente do Sindicato foi a público para defender uma investigação profunda sobre a morte de Iris Doroteia, mas deixou claro que não admitia que servidores fossem usados como bodes expiatórios, como também não aceitava pré-julgamentos.
FUNCIONANDO POR DECRETO
Interditada em junho de 2021, após fiscais da Vigilância Sanitária constatarem a presença de materiais e manuais para a realização de procedimentos cirúrgicos, aos quais a biomédica não tinha autorização para executar, a clínica de Lorena Marcondes foi reaberta por força de uma licença prévia facilitada, concedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Políticas de Mobilidade Urbana (Seplam). Tratava-se de uma liberação do imóvel de localização da clínica, com validade de seis meses, porém não autorizava a realização de procedimentos estéticos. A licença foi liberada com a ressalva de que “o contribuinte foi informado de que faltam documentos”.
Em julho de 2022, após o vencimento da licença prévia de localização, a biomédica protocolou pedido de alvará de localização definitivo, porém o documento não poderia ser expedido, já que havia irregularidades que não foram sanadas. No entanto, a clínica continuou funcionando, já que a licença prévia havia sido prorrogada automaticamente até setembro de 2022, por força do Decreto 15.103/2022, assinado pelo prefeito Gleidson Azevedo (Novo), no dia 27 de maio. O decreto prorrogou a validade de todas as Licenças Prévias Facilitadas vencidas emitidas pela Seplam.
No dia 5 de outubro de 2022 venceu o prazo da prorrogação da licença prévia e no dia 7 a clínica foi vistoriada pelos fiscais da Vigilância Sanitária José Anastácio de Paula Júnior e Ricardo Soares, que constaram que as irregularidades não haviam sido sanadas. Foi concedido um prazo de 30 dias para as adequações.
No dia 6 de outubro de 2022, entre a data de vencimento da licença prévia no dia 5 e a visita dos fiscais no dia 7, foi publicado no Diário Oficial dos Municípios, página 52, um novo decreto (Decreto 15.285/2022) assinado pelo prefeito Gleidson Azevedo, prorrogando pela segunda vez as licenças prévias facilitadas vencidas emitidas pela Seplam. A segunda prorrogação valia até 31 de março desse ano e mais uma vez a biomédica foi favorecida pela medida administrativa.
As licenças prévias facilitadas estão previstas na Lei Municipal 8.770/2020, são concedidas pela Seplam e se destinam a “estabelecimentos públicos e privados já instalados, ou com destinação comercial, ainda que não estejam em funcionamento, no Município, em imóveis e edificações que necessitam de adequações quanto aos requisitos de acessibilidade exigidos pela legislação em vigor para obtenção de alvará de localização e funcionamento”. A lei não prevê a prorrogação das licenças prévias por decreto.
No dia 15 de março desse ano, a 15 dias de expirar o prazo de validade da segunda prorrogação da licença prévia, Lorena Marcondes foi intimada a apresentar em 24 horas cópia do prontuário referente ao atendimento do modelo Eduardo Luiz Santos Júnior que teve sequelas decorrentes de procedimentos feitos pela biomédica. O documento não foi fornecido. Intimada, também, a fornecer o documento para avaliação do risco decorrentes de seus procedimentos, que permitiria à Junta de Saúde avaliar se a clínica poderia continuar funcionando, a biomédica usou um dispositivo do Código de Saúde do Município (Lei Complementar 30/1995) e protocolou na Diretoria de Vigilância em Saúde pedido de ampliação do prazo para fornecer a cópia do documento, cumprindo assim as exigências legais para obter o alvará sanitário definitivo.
Em parecer assinado no dia 23 de março desse ano, a Junta se posicionou contrária à dilatação do prazo, sob alegação de possível risco sanitário. No relatório do julgamento, a Junta afirmou: “Esta junta entende que a liberação do Alvará Sanitário, estando o fiscal consciente da possibilidade de risco descrita em tal denúncia, caracteriza crime de prevaricação do agente fiscalizador ao deferir tal documento”. Mesmo diante da negativa do alvará e com a licença prévia vencida, a clínica continuou funcionando.
RECOMENDAÇÃO DO MP
No dia 25 de abril a Prefeitura recebeu ofício assinado pelo promotor Sérgio Gildin informando que “a clínica continuava realizando atendimento e procedimentos estéticos invasivos, estando, assim, em desacordo com a legislação vigente [que] trazem a possibilidade de ocorrências de riscos e complicações à saúde dos consumidores” (Recomendação 4, de 19 de abril de 2023).
No ofício, o promotor citou, ainda, o artigo 79, inciso IV, do Código de Saúde do município: “constitui infração sanitária instalar ou fazer funcionar estabelecimento de serviço de interesse da saúde sem licença do órgão sanitário competente ou contrariando normas legais e regulamentares pertinentes”. Punições previstas: Advertência, pena educativa, interdição, cancelamento do Alvará Sanitário e/ou multa.
Sérgio Gildin recomendou à Vigilância Sanitária a adoção das “providências necessárias, por meio de seu poder de polícia, para controlar os riscos sanitários decorrentes da continuidade do funcionamento dos atendimentos e da realização de procedimentos estéticos invasivos pela clínica”.
O promotor deu 10 dias de prazo para a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) informar quais as providências foram tomadas para atender à recomendação. A resposta da Semusa ao promotor foi feita através do ofício 239/2023 com pedido de dilatação do prazo para a informação das providências tomadas de 10 para 30 dias. O ofício é datado de dia 3 de maio.
Sem nenhuma medida adotada pela Semusa para impedir seu funcionamento irregular, a Clínica Lorena Marcondes manteve suas atividades normais, inclusive com procedimentos não autorizados, até que no dia 8 de maio ocorreu a morte de Iris Doroteia Martins.
SILÊNCIO
O último pronunciamento feito pela Prefeitura sobre o assunto foi no dia 11 de maio, três dias após a morte de Iris Martins. Foi em uma entrevista coletiva na qual a vice-prefeita Janete Aparecida da Silva (PSC) e o procurador geral do município, Leandro Luiz Mendes, anunciaram a sindicância administrativa para apurar responsabilidades e também, de forma velada, responsabilizaram servidores sem cargos comissionados. Desde então a Prefeitura tem se mantido em profundo silêncio sobre o assunto.
Os fatos e datas relatados nesta reportagem constam de documentos públicos que podem ser obtidos por qualquer cidadão divinopolitano, se não de forma espontânea, pode-se recorrer à Lei de Acesso à Informação.
Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram