Clínica onde paciente morreu após procedimento estético foi beneficiada por medidas administrativas assinadas pelo prefeito

Compartilhe essa reportagem:

Na entrevista coletiva do dia 11, a vice-prefeita Janete Aparecida, e o procurador do município, Leandro Mendes, fizeram acusações indiretas a servidores efetivos responsáveis pela fiscalização da Clínica (Foto: Diretoria de Comunicação/PMD)

A Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) de Divinópolis instaurou essa semana uma sindicância administrativa para investigar as responsabilidades da fiscalização sanitária do município que manteve a Clínica de Estética Lorena Marcondes em funcionamento, apesar dos muitos alertas emitidos sobre prováveis irregularidades. Além da Prefeitura, a Câmara instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que terá atuação mais ampla, uma vez que vai investigar o possível crime de prevaricação. As duas investigações estão ainda na fase inicial e a CPI ainda vai eleger presidente e relator.

As eventuais irregularidades cometidas pela clínica e pela biomédica Lorena Marcondes foram expostas no dia 8 de janeiro, após a morte da paciente Iris Dorotéia Martins, de 46 anos. A paciente sofreu uma parada cardiorrespiratória durante um procedimento estético realizado pela biomédica e faleceu no mesmo dia no Complexo de Saúde São João de Deus. Lorena Marcondes já tinha antecedentes de erros, após o modelo Eduardo Luiz Santos Júnior sofrer uma deformação no rosto, além de inchaço e necrose na boca provocados por uma harmonização facial executada pela biomédica.

No dia 24 de abril, portanto 15 dias antes da morte de Iris Dorotéia, a Diretoria de Vigilância em Saúde recebeu recomendação do Ministério Público para que adotasse as providências necessárias, por meio do poder de polícia, para controlar os riscos sanitários decorrentes da continuidade do funcionamento dos atendimentos e da realização de procedimentos estéticos invasivos pela Clínica Lorena Marcondes.

Para justificar a continuidade do funcionamento da clínica após a recomendação, em nota divulgada no dia 10 de maio, a Prefeitura informou que antes de receber a advertência do MP, no dia 18 de abril, a fiscalização esteve na clínica, porém “não constatou a prática de nenhum procedimento que não constasse do seu regimento interno”. Segundo a nota, “diante dessa situação, não foi feita a interdição da clínica”.

Na mesma nota, a Prefeitura jogou toda a responsabilidade sobre os servidores que realizaram a fiscalização, afirmando que “os fiscais que compareceram na clínica durante a fiscalização [são] servidores municipais concursados e sem cargo comissionado, exercendo seu poder de polícia e discricionário e com fé pública”. Ainda com o intuito de responsabilizar os fiscais, a nota da Prefeitura afirmou que os “fiscais possuem poder de polícia e discricionário, não admitindo nenhuma interferência política ou qualquer outra para beneficiar ou prejudicar qualquer pessoa ou estabelecimento”.

ENTREVISTA COLETIVA

No último dia 11, em entrevista coletiva, o procurador do município, Leandro Luiz Mendes, voltou à carga com o objetivo de responsabilizar os servidores pelo fato ocorrido na clínica, repetindo basicamente o posicionamento da Prefeitura expresso em nota oficial um dia antes. “Qualquer interferência de uma autoridade municipal sobre o trabalho dos fiscais poderia ser considerada improbidade administrativa. Portanto, a equipe de fiscalização da Vigilância Sanitária tem total autonomia para agir, conforme a legislação vigente, e de acordo com o que constatam no ato de suas fiscalizações”, afirmou o procurador, claramente tentando isentar superiores hierárquicos dos servidores de qualquer responsabilidade.

A vice-prefeita Janete Aparecida da Silva (PSC), reforçando o tom acusatório do Executivo, afirmou durante a mesma entrevista ao anunciar a abertura de uma sindicância, que seria apurada “a conduta dos nossos profissionais” no processo de fiscalização.

SINTRAM

As declarações do Executivo com teor acusatório contra os servidores “efetivos e sem cargos comissionados” causaram imediata reação do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Divinópolis e Região Centro-Oeste, Marco Aurélio Gomes. No dia 12, em entrevista ao Portal do Sintram, o presidente do Sindicato disse que estava em andamento uma tentativa de transformar servidores que trabalham sob ordens superiores em bodes expiatórios para justificar as trapalhadas da Prefeitura no caso da clínica.

“Pelas declarações que vimos até agora, inclusive nas notas oficiais da Prefeitura, está muito claro que está havendo um direcionamento das responsabilidades para ‘servidores efetivos, sem cargos comissionados’ como afirmou a Prefeitura em nota oficial. As declarações da vice-prefeita e do procurador-geral também nos parecem direcionadas para punir servidores que apenas cumpriram ordens. Isso não vamos aceitar. O Sintram jamais se posicionará a favor de qualquer servidor que descumprir regras, mas não vamos admitir pré-julgamentos e, diante da gravidade do caso, queremos acompanhar esse processo administrativo detalhadamente. Queremos transparência e imparcialidade”, disse o presidente do Sintram.

A partir das declarações do Executivo, Marco Aurélio Gomes assumiu toda a responsabilidade no acompanhamento das investigações que estão em andamento, tanto na CPI da Câmara, quanto a sindicância instaurada pela Semusa. “Nós queremos uma investigação justa, imparcial, e que não seja direcionada a acusar servidores, como vimos até agora nas declarações dos representantes do Executivo”, reafirmou Marco Aurélio Gomes.

MEDIDAS ADMINISTRATIVAS

A Clínica Lorena Marcondes foi beneficiada por medidas administrativas adotadas via decretos assinados pelo prefeito Gleidson Azevedo (Novo) e com as co-assinaturas da vice-prefeita Janete Aparecida Silva e do procurador geral Leandro Luiz Mendes.

De acordo com os documentos oficiais obtidos pelo Portal do Sintram, no dia 2 de julho de 2021, a pedido da Clínica Lorena Marcondes, foi aberto processo para a concessão da Licença Prévia Facilitada, prevista na Lei 8.770/2020. A Lei permite a concessão da “licença de localização” pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Políticas de Mobilidade Urbana (Seplam) para a localização de “estabelecimentos públicos e privados já instalados, ou com destinação comercial, ainda que não estejam em funcionamento, no Município, em imóveis e edificações que necessitam de adequações quanto aos requisitos de acessibilidade exigidos pela legislação em vigor para obtenção de alvará de localização e funcionamento”.

Essa Licença Prévia concedida pela Seplam é exclusivamente para liberar a localização do estabelecimento até a concessão do alvará de localização definitivo, que só poderá ser emitido quando o empreendimento apresentar toda a documentação exigida. Já as atividades do local, em se tratando de saúde pública, devem ser objeto de outra documentação. No caso da clínica, a atividade só seria liberada através do Alvará Sanitário, conforme prevê o Código de Saúde do Município (Lei Complementar 30/1996).

A licença prévia foi liberada para a Clínica Lorena Marcondes no dia 3 de agosto de 2021, com a observação: “(sic) contribuinte ciente de que está faltando documentos”.  A licença foi liberada com validade de seis meses.

No dia 25 de julho de 2022, já com o fim dos seis meses de validade da Licença Prévia Facilitada, Lorena Marcondes protocolou pedido de alvará de localização e funcionamento e/ou licença previa facilitada. A resposta foi extremamente rápida. No dia seguinte, 26 de julho, a Seplam respondeu ao pedido, informando que “(sic) não é possível renovar a Licença Prévia Facilitada, pois a mesma está prorrogada automaticamente, conforme Decreto 15.103/2022, até 30 de setembro de 2022”. O decreto foi assinado um mês antes da formulação do pedido apresentado pela biomédica.

O Decreto 15.103/2022, que beneficiou a Clínica de Estética, foi assinado no dia 27 de maio do ano passado e prorrogou “o prazo de validade de todas as Licenças Prévias Facilitadas vencidas e emitidas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Políticas de Mobilidade Urbana”. O Decreto foi assinado pelo prefeito, pela vice-prefeita e pelo procurador geral do município.

Ao final da validade da prorrogação, no dia 28 de outubro de 2022, Lorena Fernandes protocolou novo pedido de “alvará de localização e funcionamento e ou licença prévia”. No dia 31 do mesmo mês, a Seplam respondeu: “(sic) não é possível renovar a Licença Prévia Facilitada, pois a mesma está prorrogada automaticamente até 31 de março de 2023”. A nova prorrogação foi concedida por novo Decreto, o de nº 15.285/2022, assinado no dia 6 de outubro, “que prorrogou o prazo de validade das Licenças Prévias Facilitadas vencidas e emitidas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente”.

Esse segundo decreto foi publicado no Diário Oficial dos Municípios do dia 6 de outubro de 2022, 20 dias antes do pedido de renovação ser protocolado pela biomédica. Chama a atenção o fato de o decreto ter sido assinado no dia 13 de setembro e sua publicação no Diário Oficial só foi feita no dia 6 de outubro, quase um mês após sua assinatura. Também chama a atenção a não disponibilização do decreto para consulta pública nos sites da Prefeitura e da Câmara Municipal.

A clínica funcionou mais de um ano por força de dois decretos do Executivo, que prorrogaram licenças prévias facilitadas concedidas pela Seplam. A Lei 8.770, que regulamenta a concessão de licenças prévias, não prevê a prorrogação do prazo de validade do documento por decreto.

POSTAGEM NO INSTAGRAM

Reportagem: Jotha Lee
Comunicação Sintram

 

 


Compartilhe essa reportagem: