Líder religioso diz que teve apoio de um Coronel para agir contra população de rua

No dia 14 de setembro de 2023, em nota oficial publicada no site da Prefeitura, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) informou que Divinópolis conta com dois equipamentos para acolhimento de adultos e famílias em situação de rua: Casa de Passagem São Francisco de Assis e Casa de Acolhimento Santa Teresa de Calcutá, ambas administradas pela Comunidade Católica Sacramento do Amor.
A nota de 2023 diz textualmente: “A Prefeitura de Divinópolis ressalta que os serviços oferecidos pela Secretaria de Municipal de Assistência Social não se trata da retirada compulsória de pessoas das ruas, mas sim, de atendimento para inserção na Política de Assistência Social e demais políticas públicas, tais como: saúde, justiça, educação, dentre outras”. A nota destaca, ainda, o artigo 23 da Resolução nº 40/2020, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH):
Art. 23 – O Estado deve garantir às pessoas em situação de rua o direito à cidade, constituído entre outros pelo direito de:
I – ir e vir;
II – permanecer em espaço público;
III – acessar equipamentos e serviços públicos
Parágrafo único. É vedada a remoção de pessoas em espaços públicos pelo fato de estarem em situação de rua.
Leia a íntegra da nota publicada pela Prefeitura no dia 14 de setembro de 2023
DOIS ANOS DEPOIS
Divinópolis assiste hoje a uma onda crescente de incitação ao ódio e à violência contra a população de rua. Poder público, entidades religiosas e associações, embora de forma velada, falam a mesma língua e não se sabe qual é o objetivo prático dessa escalada contra os moradores de rua, já que não se apresentou até agora nenhuma proposta concreta, a não ser ataques contra essa população vulnerável através de bravatas políticas e ideológicas.
03/09/2025 – A situação se acirrou a partir de um vídeo postado nas redes sociais do prefeito Gleidson Azevedo (Novo) na quinta-feira da passada. No vídeo, o prefeito aparece acompanhado da secretária municipal de Desenvolvimento Social, Juliano Coelho, e mais dois vereadores, para acusar cidades da região de enviarem moradores de rua para Divinópolis. Em tom raivoso, prefeito, secretária e vereadores abriram a temporada de discursos de ódio, ao associar os moradores de rua com criminosos.
04/09/2025 – No dia seguinte, a Câmara Municipal realizou uma reunião para discutir o assunto. Em um informe institucional, publicado em seu site, a Câmara disse, que “além dos vereadores, o encontro reuniu representantes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Secretaria Municipal de Saúde, associações, representantes religiosos, Polícia Militar e comunidades terapêuticas”.
Foi nessa reunião do dia 4 que aconteceu um dos ataques mais ferozes contra a população de rua. O fato só se tornou público após o vereador Vitor Costa (PT) denunciar o escandaloso discurso de ódio proferido pelo Pastor Wilson Botelho, da Igreja Batista da Fé. O petista é a única voz na Câmara que pede aplicação da legislação no tratamento à população de rua e o cumprimento das diretrizes nacionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
A Câmara Municipal, em nota institucional publicada no dia 4 em sua página na internet, blindou o pastor e agiu como cúmplice de um ataque aberto e sem meias palavras contra a população de rua. Leia a nota da Câmara
O discurso do pastor feito na reunião da Câmara, supostamente para discutir soluções, é desconexo, surreal e revela egocentrismo e vaidade. Embora seja mais uma pregação de ódio, entende-se que o pastor se coloca como um representante da Polícia, com autorização até para matar, se preciso. O pastor revela, ainda, a suposta permissão de um “coronel” para que ele pudesse agir como justiceiro para a retirada de moradores de rua da cidade, escancarando ainda, crimes como ameaças, preconceito e racismo.

Leia a seguir, a transcrição (sic) de trechos do discurso proferido por Wilson Botelho e assistido por uma plateia formada por supostos defensores de direitos humanos:
– O cara chega com uma mochila, eu pergunto: de onde cê é? “Sou do Ceará”. Que que cê veio fazer aqui? “Eu quero ajuda”. Eu digo, não, aqui você não vai ter ajuda não, porque aqui já tem vagabundo demais. A Polícia [Militar] não pode fazer isso, mas eu posso, como cidadão.
– Você sabe o que os prefeitos fazem, do 037? Qual é a maior cidade do 037? Qual é a cidade mais pujante? Divinópolis (…) Aí, na maior cara de pau, os prefeitos enchem os carros de pessoas e jogam aqui na cidade. Nova Serrana, Bom Despacho, Arcos, Oliveira, Itapecerica, tudo faz isso.
– Enquanto eu tava lá na praça, eu era um braço direito da polícia. Eu recebi o apoio do Coronel. [o coronel disse] “eu tô com você, eu preciso de você”. Eu botei moral. Ninguém podia passar naquelas pontes, porque tinha que pagar pedágio. Eu limpei tudo, eu gastei do meu dinheiro. Eu dava café, dava pão, para atrair o sujeito, a amizade dele, pra tirar fora de Divinópolis. Levei carro cheio [de moradores de rua] pra Oliveira, Carmo da Moita (sic), Formiga, Nova Serrana, Bom Despacho, Itaúna, Pará de Minas, tudo que tava aqui, porque aquele carrapateiro atrai tudo quanto é tipo de desgraça.
– Como é que eu vou dar assistência para um morador de rua se eu não tenho solução pra ele? Vou engordar o vagabundo? Vou engordar o pilantra? Que negócio é esse? Você vai dar sopa pra ele? Dá sopa, mas dá solução. Você mora onde? Em Pará de Minas. Então você vai ter que ir embora daqui. Aqui não pode ficar. Eu posso fazer isso como cidadão. A Polícia não pode, porque senão perde a farda.
– Mas, eu recebi o apoio do Coronel. Pode agir, eu tô com você. E eu tinha 10 homens comigo. Eu chegava no sujeito, de onde você é? De Campo Grande. Ah, é? Aqui você não fica. Se você atravessar aquela ponte, amanhã as quatro horas da tarde eu vou fazer o seu sepultamento. É só eu dar uma ligada aqui e você leva dois tiros na cabeça.
QUERO VIVER
Líder da Igreja Batista da Fé, Wilson Botelho tem o Projeto Quero Viver

SILÊNCIO
A Câmara Municipal não tornou público esse ataque degradante contra a população de rua. A secretária de Desenvolvimento Social, Juliana Coelho, que assistiu ao discurso, também se mantém em silêncio. A cumplicidade do Poder publico de Divinópolis a essa incitação explícita à violência, aliada a demonização da população de rua nos discursos do prefeito e dos vereadores Matheus Dias (Avante) e Wellington Well (PP), é um precedente perigoso, cujas consequências são imprevisíveis.
A referência no início dessa reportagem à nota publicada pela Prefeitura no di 14 de setembro de 2023 foi para chamar a atenção de que o Poder Público reconhece suas obrigações institucionais, entretanto, na prática, os interesses ideológicos e políticos superam o bom senso e as leis da assistência social.
Reportagem: Jotha Lee
Sintram Comunicação