Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, nesta quinta-feira (28), a constitucionalidade do compartilhamento de dados fiscais e bancários com o Ministério Público (MP) e autoridades policiais, sem autorização judicial prévia. O assunto foi julgado no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1.055.941, com repercussão geral reconhecida, no qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou o reconhecimento da legitimidade de uma prática já existente: a troca de informações entre a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, a Receita Federal e órgãos de persecução penal independentemente de decisão judiciária. A definição da tese para delimitar o alcance da decisão está prevista para a próxima quarta-feira (4).
Ao final da sessão, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, revogou liminar concedida por ele em julho deste ano que suspendeu o andamento das investigações que contassem com informações compartilhadas pela UIF e demais órgãos de controle financeiro, repassadas sem autorização judicial. Com a decisão, mais de 900 investigações que estavam paralisadas em todo o país poderão ser retomadas.
Julgamento – A questão começou a ser discutida na última quarta-feira (20) com o voto do relator. Embora tenha reconhecido a constitucionalidade do compartilhamento de dados, o ministro Dias Toffoli reforçou que certos limites e parâmetros teriam de ser estabelecidos para a troca de informações. Ao votar, ele fez uma distinção entre as condições para a troca de informações da Receita e argumentou sobre o procedimento a ser seguido para os pedidos de dados à UIF. A fixação de limites, segundo o ministro, protegeriam os princípios constitucionais que garantem a intimidade e o sigilo de dados aos cidadãos. Nesta quinta-feira (28), no entanto, Dias Toffoli retificou seu voto de forma a concordar com o envio dos dados completos.
Na sessão de quinta-feira (21), o ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a votar pela legitimidade do compartilhamento dos dados sem a necessidade da fixação de critérios. Esse foi o entendimento seguido pela maioria dos ministros. De acordo com o ele, embora a Constituição Federal assegure a inviolabilidade da privacidade dos indivíduos, abrangendo os sigilos de dados, bancários e fiscal, excepcionalmente é possível relativizar a regra constitucional. “Os direitos fundamentais não podem servir de escudo para a atuação de organizações criminosas”, frisou Alexandre de Moraes. O ministro também chamou atenção para o fato de que os dados obtidos pela Receita em procedimento fiscalizatório, no qual haja suspeita de crime, é necessário para que o MP possa atuar. Ainda de acordo com Moraes, o compartilhamento será supervisionado pelo Judiciário, o que permitirá sanar eventuais abusos.
No entendimento do ministro Alexandre de Moraes, também não há impedimento para que a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) forneça relatórios a pedido do MP ou da autoridade policial. “ A atuação da UIF deve ocorrer da mesma forma que ocorreria caso se detectasse uma suspeita e se encaminhasse as informações espontaneamente. Em qualquer hipótese, o procedimento deve ser rigoroso de forma a garantir o sigilo dos dados”, reforçou o ministro.
Posição da PGR – Em sustentação oral realizada no início do julgamento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, garantiu que o compartilhamento das informações com órgãos de persecução penal não prejudica a privacidade e o sigilo dos investigados, uma vez que apenas parte das informações financeiras pode ser acessada pelos órgãos de investigação. Ele esclareceu que o MP e a Polícia, ao receberem o Relatório de Inteligência Financeira (RIF), não têm acesso à integralidade dos dados financeiros dos contribuintes, somente àqueles que fundamentam a suspeita da prática criminosa. Segundo ele, jamais são enviados a tais órgãos extratos bancários, por exemplo, aos quais nem mesmo a UIF tem acesso. “Assim, o intercâmbio de informações por meio do RIF atinge apenas uma parte do direito ao sigilo de dados do contribuinte, justamente aquela parte referente a dados que consistem em indícios da prática de crimes. Todo o restante do sigilo continua preservado, inclusive em face dos órgãos de persecução penal”, explicou o PGR.
Augusto Aras também reforçou que a decisão de condicionar o compartilhamento de dados financeiros à prévia autorização judicial, além de onerar excessivamente a Justiça com pedidos de quebra de sigilo, ocasionaria a abertura de investigações desnecessárias, prejudicando todo o sistema de combate à lavagem de ativos. Outro impacto seria o enfraquecimento do microssistema brasileiro de combate ao crime de lavagem de ativos, impactos à imagem do país junto a organismos internacionais aponta que a decisão de condicionar o compartilhamento de dados financeiros à prévia autorização judicial. “Caso o MP passe a ter acesso apenas a informações genéricas, isso obrigará essa instituição, a fim de ter acesso aos dados detalhados, a requerer em juízo a quebra de sigilo de pessoas que, por vezes, não praticaram qualquer conduta suspeita ou indicativa de lavagem de dinheiro. Na prática, isso levará à instauração de apurações contra pessoas sobre as quais não recai qualquer suspeita, fazendo-as constar desnecessariamente como investigadas dentro do sistema judicial criminal”, apontou Aras.
Foto: João Américo/Secom/PGR
Fonte: MPF